Baixaria Sonora – Bilhete para Moraes
Jean Paz escreve sua coluna Baixaria Sonora todas as terças-feiras aqui, na Expedição CoMMúsica. Leia mais textos do Jean no blog Baixaria Sonora.
No dia em que a partida do eterno Novo Baiano Moraes Moreira completa 1 ano, resgatamos um texto escrito em Junho de 2020, lamentando sua passagem.
“Aprendi a gostar de Novos Baianos com a minha mãe. Na verdade, ela mostrou algo da Baby e do Pepeu, e eu pirei.
Pirei naquele visual futurista, naquela guitarra cheia de swing e naquelas vozes maravilhosas.
Se existir um deus e ele tiver voz, essa voz é a voz da Baby.
Mas até então, eles eram apenas Pepeu e Baby, aquele casal que botou fogo no Rock’n Rio de 1985, e não o grupo que mudou minha percepção musical para sempre.
Depois, veio a Copa de 94.
Nessa época eu tinha 11 anos, e não assimilei que a trilha da propaganda de chinelos que aparecia nos intervalos dos jogos, era a versão deles para “Brasil Pandeiro”, de Assis Valente.
Lembro como se fosse hoje, daquele jogo encardido contra a Holanda, em que um petardo de canhota do Branco nos classificou para as semifinais. E do Sopão Maggi (aquele do caldo nobre da galinha azul) que comemos logo após a partida. E no pós-jogo, ainda na euforia pelo resultado, tome Brasil Pandeiro.
E nessas comemorações descobri também a tua voz e a voz do Paulinho.
Fui crescendo e amadurecendo, e perdendo a vergonha de assumir que gostava do carnaval. E percebi que tu, Moraes, era um dos responsáveis por isso. Afinal ultrapassaste as barreiras do rock e inventaste o trio elétrico.
Num desses carnavais, quando eu já tinha uns 16 anos e não morava mais na minha cidade natal, voltei para lá para curtir a festa. Afinal, as festas no interior são muito mais interessantes. Principalmente para um adolescente tímido com os hormônios a flor da pele.
E foi exatamente essa música, na voz da Gal, que embalou esse carnaval inesquecível.
Os anos foram passando. Eles sempre passam.
E algum tempo depois, quando morava em São Paulo me deparei com uma daquelas listas que amamos odiar e odiamos amar, que apontam os melhores discos brasileiros de todos os tempos. E o disco que encabeçava a lista era o Acabou Chorare.
Nessa mesma época o vocalista da minha banda passava o dia ouvindo esse disco.
Era o reencontro que eu precisava. Baixei o disco, baixei a discografia, e os Novos Baianos passaram a ser a trilha sonora dos meus deslocamentos por essa cidade de trânsito caótico.
Na virada Cultural de 2009 nem eu e nem você pudemos estar presentes.
Mas em 2011 nossos caminhos voltaram a se cruzar, quando tu foi tocar na festa Junina do Sesc Itaquera. Era uma noite fria, e vocês dois, (tu e teu violão) esquentaram e encantaram o público presente. Era impressionante o que tu era capaz de fazer com um violão nas mãos.
Depois conheci a Nossacasa Confraria das Ideias, e os “afters” que aconteciam no piso superior, em que alguns sobreviventes das festas se reuniam em torno de alguém com um violão para cantar Swing em Campo Grande e o Mistério do Planeta.
São as melhores lembranças de um período muito conturbado.
Algum tempo depois encontrei meu amor e logo estávamos grávidos do nosso primeiro filho.
E ele quase se chamou Pedro, por causa da música que tu escreveu e que enchia os nossos olhos de lágrimas sempre que a ouvíamos.
No final fizemos uma votação em que participaram os parentes mais próximos e o nome escolhido foi Gael.
Na playlist que tocou durante o parto haviam muitas músicas dos Novos Baianos. Mas nosso gurizinho escolheu nascer ao som da Céu.
Nesse meio tempo teve o reencontro dos Novos Baianos. Mas faltou grana para ir ao show.
Tudo bem, fica para a próxima. Em breve sai o DVD. Bola pra frente.
Saiu DVD, disco e Cd. E eu acabei não comprando. Tempos de vacas magras.
No final do ano passado tu esteve no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, para falar sobre a tua carreira, teu trabalho mais recente e sobre tua experiência com o Cordel.
Eu precisava acompanhar uma outra atividade, para terminar uma matéria e pensei: “Fica para a próxima. Depois eu vou atrás desse áudio. E vou ao show para ele autografar meus discos”.
Mas como vivemos um período surreal, e nosso país não se cansa de descer a ladeira, não teremos uma próxima vez. No dia 13 de abril desse ano, ao abrir o computador para trabalhar, me deparo com a notícia do teu falecimento.
E me restou o vazio que tua partida nos deixou, os discos sem teu autógrafo e o remorso por ter deixado nosso encontro para a “próxima vez”.
Em maio do ano passado, um mês após a tua partida, o Sesc Promoveu uma live com o Davi e o Pedro Baby.
E foi impossível segurar as lágrimas quando eles te homenagearam com uma versão intimista para “Sintonia”.
Espero que um dia eu consiga construir uma relação com meu filho tão linda, repleta de amor e cumplicidade, como foi tua relação com o Davi”.
Com amor, Jean Paz.
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