Angie Niño: artista da Colômbia para o Brasil
Por Silvia Ferreira Lima, para a coluna Cavando Ideias
Conheci Angie Niño no Brasil, em 2015, no Instituto de Artes da Unicamp. Foi uma das primeiras pessoas a gostar de minhas gravuras de órgãos do corpo. Ou pelo menos, a primeira que demonstrou. Descobri depois que seu interesse estava ligado a uma atividade performática que ela já tinha realizado durante a graduação.
Assim, neste ano de 2021, em 9 de abril, convidei-a para uma Live no Instagram, quando comentamos nossas primeiras impressões e como ela pintava em pedaços de madeira de uns 15 cm, deixando a parte debaixo em branco, porque não tinha espaço para apoiar e pintar. Então, deixava o espaço para segurar a madeira, enquanto pintava. Isso foi uma marca registrada do seu trabalho. Mostrou um estilo diferente de pintura e chamou a atenção de todos os colegas observadores. Este foi seu trabalho de Mestrado em Artes Visuais na Unicamp.
Ela observou que foram pedaços de madeira da parte detrás dos armários, que ela cortou em 25x15cm. No começo, colocou na horizontal e não tinha espaço na quitinete para pintar. Por isso, ela segurava embaixo e pintava em cima. Acabou fazendo uma série de 50 pinturas. Sua orientadora na época foi a Lygia Eluf que, depois que a Angie colocou a série em cima da mesa, acabou sugerindo para ela deixar os pedaços e no final, pensar no que fazer. Angie resolveu não pintar inteiro nem cortar. E ficou sua marca no compensado de madeira.
Ótima iniciativa de pegar um material acessível e transformá-lo tornando-o bonito. Este é um dos privilégios dos artistas. As matérias escolhem o que querem ser. Há muitos acasos porque no começo a ideia era toda de trabalhar com fotografia. No começo, Angie Niño fez o registro fotográfico de sua casa em Pastales na Colômbia e na quitinete em Campinas. Aí, ela pegava a fotografia e pintava cada retrato. A marca da madeira sem pintar ficou como registro do processo. A ideia era encontrar similaridades e diferenças. Ela começou a tomar a fotografia no particular e no geral. Fotografando os detalhes diferentes de cada casa.
Angie começou a pintar desde a infância, quando entrou na Faculdade em 2009 parou de pintar. E quando voltou a pintar, veio a memória afetiva, o mesmo assunto de pesquisa do doutorado. A pintura para ela tem uma carga emocional subjetiva e de limitação do espaço. Foi um gesto de reciclagem de materiais. A criatividade da artista vem de conseguir aproveitar o que tem e transformar o que está ao lado em coisas interessantes.
Depois começou a falar sobre o bordado que vem fazendo. Afirmou que está trabalhando com desenho no doutorado. Mas, em março de 2020, perdeu um irmão. Continuou desenhando com dificuldade. Já tinha olhado na internet para alguns bordados. E em outubro perdeu o avô. Mas em dezembro perdeu o irmão menor. Ficando sem seus únicos irmãos e o bordado entrou como refúgio. Conseguiu qualificar no doutorado. Com muita dificuldade, tentava desenhar mas não vinha nada. Então o bordado veio como contemplação, libertador, terapêutico, porque, em geral, o bordado é considerado trabalho manual, não está na academia de arte, é considerado uma manifestação da cultura popular. Então começou a fazer imagens da internet como desenho e bordado e acabou abrindo uma página no Instagram sobre bordado, que a ajudou a sair da tristeza.
No seu bordado, conseguimos ver a pincelada de camadas de cores e nuances, justamente no gesto de bordar e no uso das cores das linhas. Precisamos transformar a tristeza, ou os sentimentos fortes com os quais não conseguimos viver em algo bonito. É isso o que Angie consegue fazer bordando.
No seu trabalho de doutorado, Angie começou entrevistando pessoas em Campinas que falavam sobre um lugar na cidade. E ouvindo estas gravações das memórias, ela começava a observar este lugar e a recriar este lugar com seus desenhos. Fazendo isso, ela passou a conhecer melhor o lugar onde mora há oito anos e ainda não conhece tudo. Depois de fazer uma série de pinturas deste modo, Angie foi até o lugar e fotografou. Neste processo, ela notou como ouvindo os áudios do mesmo lugar, obtinha impressões totalmente diferentes.
Desta forma, foi percebendo como a memória é construída dependendo de sua vivência e experiência também. Ela comentou que dependendo de como a pessoa relata como é o lugar de sua experiência também muda a produção. E tem muita produção aí, entretanto como é um projeto de doutorado, acha que é o possível e necessário de ser encarado. Mesmo assim, como é doutorado, precisa enfocar uma só linha. Mas esta experiência lhe trouxe muito material para trabalhar!
Conta que hoje esta pesquisa começou a tomar outra vertente, o que ela fez foi extrair desses áudios palavras que chamaram sua atenção. Por exemplo: solidão, sozinha, alegria, caminhar, e a partir destas palavras ou o que significa para Angie, ela começa a fazer o desenho. Estes foram os últimos que ela realizou até então. Por exemplo, existe o áudio de descrição da biblioteca do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) na Unicamp, em que a pessoa dizia que queria ir lá porque queria ficar sozinha. Então, Angie pegava a sensação que lhe vinha com a palavra sozinha e fazia um desenho.
A partir daí, Angie pensava o que é estar sozinha para ela, o que é estar sozinha num lugar, e fazia um desenho desta ideia ou impressões que lhe ocorriam. Por isso, seus desenhos agora são bem mais pessoais, embora partam do referente do áudio gravado com o relato da outra pessoa. Ocorreu então uma mistura de memórias nesta situação. O que nos faz pensar como uma mesma palavra possui significados os mais diversos de acordo com a percepção de cada indivíduo.
Atualmente, Angie já gravou muitos áudios, então está trabalhando somente com cinco, porque sua ideia era fazer o trabalho referente a todos os áudios, entretanto notou que trabalhar com a figuração destes áudios demandaria um tempo muito maior de trabalho. Por isso, o projeto foi se transformando e agora está assim, ela ficou somente com cinco áudios. Informa que já tem uns quarenta desenhos pequenos a nanquim, há mais quinze que estão em papel vegetal 100×70 cm. Além disso, já tem seis pinturas, por isso considera que já tem uma boa produção. Os trabalhos têm de 60x70cm, 2x1m, então também possuem tamanhos variados. Dá até para escolher o que apresentar no final.
Comentamos que tudo começa com uma ideia que com o passar do tempo vai tomando um corpo diversificado porque muitas coisas acontecem, ocorrem muitos imprevistos. Outras coisas surgem. Até comentamos dos seus bordados, como mais um projeto, muito interessante, que começou no decorrer do tempo.
Conversamos sobre o que a trouxe para Campinas, Unicamp. Ela contou que fez um intercâmbio no último ano da graduação, porque teve um convênio entre a Universidad del Tolima na Colômbia e a Unicamp no Brasil. Quem poderia vir seria quem tivesse bolsa e bom rendimento acadêmico, numa classificação de 1 a 5. Por isso, o rendimento deveria estar todo acima de 4. Angie se encaixava com outras duas meninas. Logo, elas vieram para a Unicamp, fizeram este intercâmbio e Angie pegou algumas matérias na área de cênicas, porque ela estava trabalhando com a questão do corpo, fazendo algumas performances na Colômbia.
Mas, ela se interessou em conhecer o Instituto de Artes Visuais e, por casualidade, viu a Lygia Eluf dando aulas de desenho. E achou muito interessante o jeito dela falar, a disposição e atenção dos estudantes. Por isso, Angie pensou: Nossa que legal esta aula!
Então, Angie prorrogou o intercâmbio e perguntou à Lygia se poderia assistir às suas aulas de desenho. Contou que estava terminando o curso. Começaram a trabalhar neste intercâmbio para concluir o Projeto Interdisciplinar que marcava a conclusão de sua graduação em Colômbia. Por isso, conversou com a Lygia e a convidou para ser sua coorientadora. Angie conversou com sua orientadora na Colômbia. E afirmou para Lygia que se ela a orientasse no Brasil, Angie a convidaria para ir à Colômbia.
Lygia não acreditava, mas no final do intercâmbio de Angie, em 2013, ela voltou para Colômbia para se formar e mandou uma carta para Lygia convidando-a a ser sua coorientadora oficial, assim Lygia aceitou. Elas organizaram os trâmites, Angie conversou com o reitor inclusive e convidaram a Lygia, que foi professora convidada para a Universidade em que Angie estudava na Colômbia. Daí, Lygia ficou uma semana com tudo pago. Lygia disse que tinha gostado muito do seu projeto e se quisesse poderia ser sua orientadora no mestrado da Unicamp.
Angie conta que fazer Pós-graduação é muito caro na Colômbia, porque o aluno paga tudo. Seria algo em torno de uns sete mil reais atualmente. Angie comentou que não conseguiria fazer uma pós-graduação porque não teria dinheiro para pagar isso. Afinal, quando ela chegou no Brasil achou tudo muito caro: alimentação, hospedagem. Então, soube que o Mestrado no Brasil era de graça. Ficou muito surpresa com isso. Afinal, de acordo com a Lygia, só precisaria ter um bom projeto para ser selecionada. Então, Angie se animou. Organizou os trâmites, fez o projeto e a Lygia já tinha confirmado seu interesse em orientá-la. Angie passou na seleção, ficou muito feliz e voltou para Campinas.
Neste meio tempo, ela conheceu alguém, montou um apartamento e acabou ficando definitivamente no Brasil, onde vive há oito anos. Agora, confessa que ficou presa no Brasil, em meio à pandemia, porque comprou uma passagem para ver a mãe na Colômbia em novembro para viajar em fevereiro, mas a Colômbia também fechou fronteiras para o Brasil, devido à pandemia. Comenta-se que talvez abra novamente as fronteiras em junho, talvez, porque do jeito que a pandemia está no Brasil pode demorar muito mais para abrir.
Ainda bem que a Arte é um refúgio, um espaço para quebrarmos regras e fazermos o que a matéria deseja ser. A matéria encontra o artista, manifesta-se e o artista sente, transformando a matéria de forma orgânica ignorada ou lixo, em vida. A Arte é realmente uma terapia. Como o bordado que Angie foi fazendo. Comentamos como nos conhecemos na disciplina da Prof.ª Ivanir e ouvimos a Lygia Eluf ser convidada a falar de sua experiência e trabalho. Como ficamos impressionadas com a Lygia e sua sensibilidade para perceber as situações. Uma ocasião, eu comentei com Lygia que ela era muito inteligente e ela respondeu que na verdade era muito esperta.
Falamos dos acasos da vida. Conversamos como os acasos foram responsáveis por direcionar o trabalho e a vida de Angie, quem jamais imaginou que tivesse esta oportunidade de fazer Mestrado e Doutorado. Comentamos da aposentadoria da Lygia, como ela começou cedo, embora já fosse mãe e tivesse que equilibrar seus estudos com a criação dos filhos e o casamento. Comentamos como uma mulher precisa se equilibrar numa corda bamba enquanto carrega todos os pratos para conseguir realizar alguma coisa. Neste sentido, comentamos nossa grande admiração pela Lygia Eluf: todo seu trabalho e como conseguiu levar sua vida pessoal também.
Falamos das gravuras da Lygia, de suas serigrafias, das sobreposições de cores que ela utiliza. Como são incríveis as montagens, as nuances e os resultados. A própria Lygia já tinha nos dito que tinha feito disciplinas na Física para entender a experiência da cor, o que ela defendeu no doutorado.
Angie foi uma das primeiras pessoas a comentar com admiração minhas gravuras, no final, ela acabou levando minhas gravuras para a Colômbia, para o Museu Universitário de Antióquia em Medellin, pois participaram de uma exposição Colômbia/Unicamp e acabaram sendo doadas. Angie contou que este projeto foi com a Lygia e com uma professora amiga de Angie na Colômbia, de origem Argentina, que mora há muitos anos por lá e era especialista em gravuras na Universidade de Antioquia.
Apesar de Angie ser colombiana ela foi para a Universidade de Antioquia representando o Brasil. Isso foi uma experiência e tanto. Foi um intercâmbio entre Colômbia, Sérvia e Brasil. Lygia Eluf conseguiu os contatos com os professores da Sérvia: ficou de levar obras para a Sérvia e trazer obras de artistas servios para o Brasil. O trabalho da Angie era levar obras de brasileiros para a Colômbia e da Colômbia expor na GAIA (Galeria de Arte do Instituto de Artes) da Unicamp.
Angie fez a curadoria com alunos da pós-graduação, conheceu alguns e foi apresentada a outros. Fez um recorte, selecionou e carregou as obras. Levou-as para o Museu de Antioquia e para outra galeria por lá. A ideia antes da pandemia era que as obras circulassem entre museus, mas devido à pandemia, o projeto parou. Provavelmente mais para frente o projeto retome e circule novamente.
Angie contou do lock down na Colômbia, que proíbe a saída das pessoas, fazendo um rodízio pelo número final dos RGs, assim as pessoas têm permissão de sair às ruas. Embora lá, o número de mortos por Covid seja centena de vezes menor do que o número de mortos no Brasil. Comentamos da seriedade de se fazer um lock down para proteger a população. Mas como estava indo bem, o país teve a flexibilidade de abrir o comércio e as instituições, porém como começou a piorar, resolveram fechar de novo.
Despedimo-nos da conversa, felizes e animadas pela oportunidade do encontro virtual. Agora eu transcrevo aqui, mostrando algumas imagens do trabalho lindo que a artista colombiana desenvolve no Brasil: o trabalho de Angie Niño é importante de se conhecer!
Texto
Angie Niño: artista da Colômbia para o Brasil
de Silvia Ferreira Lima para a coluna Cavando Ideias na Expedição CoMMúsica. Todas as sextas-feiras.
Instagram da Angie
@angie.nino.bordados
@angie_nino_artista