Conta Comigo • Anônimo foi uma mulher

Conta Comigo • Anônimo foi uma mulher

Por Michele Machado Fernandes

Michele Fernandes
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É comum os escritores adotarem um pseudônimo, seja por mero capricho, seja por não se sentirem à vontade em se expor. Já para as escritoras, o anonimato ou o uso de pseudônimo foi uma necessidade estratégica para se posicionar em um mercado predominado pelos homens, tendo sido exclusivo deles por boa parte do tempo. 

Importantes personalidades femininas da literatura precisaram se proteger atrás de um nome falso. Foi assim, por exemplo, com as irmãs Charlotte (1816/1855), Emilly (1818/1848) e Anne Brontë (1820/1849), que adotaram os pseudônimos Currer, Ellis e Actor Bell, respectivamente. Em suas obras, a presença de personagens femininas fortes, a busca da independência e demonstração de sentimentos fora do padrão esperado eram audaciosos demais para a época. 

Conta Comigo • Anônimo foi uma mulher

Confira o trecho:

“Não gostávamos da ideia de chamar a atenção, por isso escondemos os nossos nomes por detrás dos de Currer, Ellis e Acton Bell. A escolha ambígua foi ditada por uma espécie de escrúpulo criterioso segundo o qual assumimos nomes cristãos, claramente masculinos, já que não gostamos de nos declarar mulheres, uma vez que naquela altura suspeitávamos que a nossa maneira de escrever e o nosso pensamento não eram aqueles que se podem considerar ‘femininos’. Tínhamos a vaga impressão de que as escritoras são por vezes olhadas com preconceito e tínhamos reparado como os críticos por vezes as castigam com a arma da personalidade e as recompensam com lisonjas que, na verdade, não são elogios.”

Essas são palavras deixadas por Charlotte Brontë, com as quais enfatiza a importância dessa prática para proteger a imagem das escritoras, já que eram alvo de crítica desfavorável. Além disso, a sociedade moralista da época confundia os fatos literários com o comportamento fora do padrão das escritoras.

Podemos citar, ainda, nomes como o da famosa escritora inglesa Jane Austen (1775/1817), que referenciou sua primeira obra publicado, “Razão e Sensibilidade” (1811), apenas como “by a lady”, ou seja, “por uma dama”. Mary Ann Evans (1818/1880), importante romancista da era vitoriana, publicou sua obra como George Eliot. Mary Shelley (1797/1851), autora de um dos maiores clássicos de terror, “Frankenstein: ou o Prometeu Moderno” (1818), publicou a primeira edição anonimamente. A francesa Sidonie Gabrielle Colette (1873/1954) escreveu os seus primeiros livros compartilhando o pseudônimo do marido Willy e deixando todos os méritos da obra a ele até ousar assinar o próprio sobrenome. No Brasil, a situação não era diferente. A autora Maria Firmina dos Reis (1822/1917), por exemplo, publicou “Úrsula” em 1859 sob a simples identificação de “uma maranhense”.

É evidente que esse recurso foi amplamente usado no passado por ser uma época em que as autoras eram desacreditadas e hoje os tempos são outros, não é verdade? 

Errado!

Apesar de obviamente o mercado editorial reconhecer que as mulheres podem sim publicar livros, ainda existe muita resistência, e autoras contemporâneas, algumas muito famosas, precisaram ocultar os seus nomes para que seus livros não fossem reconhecidos como de autoria feminina.

Esse é o caso de Joanne Rowling, ou J. K. Rowling como é mais conhecida. A autora de “Harry Potter”, a saga mais amada do público juvenil, foi a primeira pessoa a se tornar bilionária com a venda de seus livros. No entanto, ao publicar seu primeiro volume, a editora teria exigido que a escritora utilizasse suas iniciais abreviadas. A explicação seria que somente ocultando o gênero de Joanne o público jovem masculino também se interessaria em adquirir a obra. 

Uma curiosidade também recente foi a experiência feita pela escritora estadunidense Catherine Nichols. Em 2015, ela testou enviar seu original com pseudônimo masculino e o nome real a diferentes editoras. O resultado é uma boa comprovação do olhar sexista lançado sobre a produção literária feminina. Com o nome masculino, a autora obteve dezessete respostas positivas em cinquenta tentativas. Já com o nome feminino, apenas duas, enviando ao mesmo número de editoras.

Virgínia Woolf (1882/1941), autora de célebres obras e famosa por pensar sobre o papel da mulher na sociedade, em especial, o das escritoras, aborda esta questão no seu livro “Um Teto Todo Seu” (1929). Na obra, ela explora as diferenças de oportunidades entre os dois gêneros, cria situações que ilustrem a realidade das mulheres e analisa a história da literatura, buscando compreender as dificuldades que nossas antepassadas vivenciaram. 

Fica claro, lendo a obra, as razões para que até hoje – mesmo já tendo passado mais de noventa anos que a autora escreveu seu ensaio – as mulheres ainda tenham de batalhar muito por seu espaço no mercado de trabalho, nas artes, na literatura. É dela a frase que diz: “Por muito tempo na história, ‘anônimo’ foi uma mulher”. 

É como dizem: o passado explica o presente, por isso tão importante conhecê-lo e nunca o esquecer. 

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Por Michele Machado Fernandes

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