Conta Comigo • Ninguém Sabia
Um conto de Michele Machado Fernandes
Nunca contei essa história para ninguém. Eu tinha dez anos, e a minha irmã quinze. Ela arrumou um namorado, e o meu pai ficou muito bravo, pois, segundo ele, a minha mãe não devia ter deixado. No fim, acabou cedendo. Melhor em casa do que na rua, dizia. O rapaz poderia fazer visitas nos domingos e nas quartas-feiras. Vez e outra, ia no colégio onde a minha irmã estudava e matava aula para se encontrar com ele, mas isso o meu pai não sabia.
Passado algum tempo, o namorado pediu para passear com a minha irmã. Depois de alguns “nãos”, veio nova regra: eu deveria acompanhar o casal em todos os lugares aonde fossem. Sendo assim, se fossem ao cinema, eu ia junto. Se fossem ao parque, eu ia junto. Se fossem ao shopping, eu ia junto. Se fossem se encontrar escondidos na casa de amigos, eu não ia junto, mas isso o meu pai não sabia.
Um dia, fomos pela primeira vez à casa dele. Morava com a mãe viúva e a avó, ambas curiosas para conhecer a namorada do filho. Ele morava do outro lado da cidade e cruzaríamos da Zona Norte à Zona Sul. Precisaríamos pegar dois ônibus, um até o Centro e o outro até o bairro do namorado. Na parada, havia uma fila longa, mas logo o ônibus chegou. O casal que me acompanhava sentou no fundo, e eu só consegui um lugar longe, porém na janela, como eu gostava. Aos poucos, todos os lugares foram sendo preenchidos, e o banco vago ao meu lado foi o último onde se sentou alguém. Em seguida, o ônibus lotou e eu, no meio de tanta gente, vi que estava sozinha. Mas isso o meu pai não sabia.
Da aparência do homem sentado ao meu lado, pouco me lembro. Eu não era de prestar atenção nas pessoas. Recordo mais de como me senti. Ele me olhou e sorriu. Sem saber o que fazer, eu sorri de volta. Ele permaneceu me absorvendo com seu olhar. Pela primeira vez na vida, me senti com uma roupa inadequada. A minha camiseta cor-de-rosa ficou um pouco transparente sob a sua mira. Será que eu deveria ter usado sutiã? Eu nunca tinha usado, mas dessas coisas o meu pai não sabia.
– Oi! Pra onde tu vai?
Pode falar com estranhos? A mãe não disse que não podia, então respondi:
– Vou pra casa do namorado da minha irmã.
– Tu tá sozinha?
– Não! A minha irmã tá lá atrás.
Ele fez um gesto com a cabeça para cima e para baixo, mas mantinha os olhos fixos em mim. Então começou a contar uma história. Trabalhava em algum lugar, fazia não sei o quê, estava indo não sei aonde. Eu não prestei atenção na conversa. Acompanhava apenas onde os seus olhos se instalavam no meu corpo. Agora, nas minhas pernas. Eu usava uma bermuda marrom. Será que era muito curta? A mãe não achou curta. Ela com certeza falaria se fosse. E o pai? O meu pai nunca saberia disso.
O homem, para explicar o fato que narrava, precisou pegar na minha mão. Eu deixava ou não? A mãe nunca me explicou, e o pai nunca saberia disso.
O homem era simpático e largou a sua mão sobre a minha perna. Eu deixava ou não? A mãe não me deu instrução sobre isso, e o pai nunca saberia.
O homem chegou com a sua boca perto do meu pescoço. O seu hálito lembrava os domingos em que o pai bebia com os amigos, e eu não sabia se podia deixar chegar tão perto. A mãe nunca falou sobre o assunto, e o pai nunca saberia.
O homem colocou os meus cabelos para trás. Talvez eu não devesse ter deixado eles soltos. Mas a mãe tinha me penteado antes de sair de casa, e o pai nunca saberia.
O ônibus deu uma freada brusca, sacudindo os passageiros e brecando a minha inércia. Eu olhei na direção dos meus cuidadores. (Ou era eu quem cuidava deles? Não sei! Na verdade, ninguém sabia.) Havia desocupado um lugar perto da minha irmã e do seu namorado. Eu me levantei e ainda me expliquei:
– Tenho que ir pra perto da minha irmã. É porque eu não sei em qual parada preciso descer.
Ele, atencioso, cedeu um espaço um pouco apertado para eu passar. Fui até a minha irmã. Descobri que ainda estávamos longe do destino. Tudo tinha acontecido em uns cinco ou dez minutos. Impossível recompor o tempo dentro da névoa da minha memória. O homem abanou para mim ao desembarcar do ônibus.
– Haha, fez um amigo! – disse a minha irmã com ar de deboche.
Na casa do namorado, eu fiquei na sala com a mãe e a avó. Recebi uns apertões nas bochechas. Elas me acharam fofinha. O casal ficou no quarto. Era chato ficar junto. Só se beijavam. Eu realmente não tinha a menor ideia de como cuidar da minha irmã, mas isso o meu pai não sabia. Até o dia que ela engravidou.