Entrevista com Andersen Viana • Concurso de Composição Shostakovich 2021 e Ópera Pitágoras de Samos
Conversamos com Andersen Viana e pedimos que respondesse a algumas perguntas por escrito, pois os prêmios são uma constante em seu projeto musical. E não conversamos somente sobre música, mas também sobre a situação política atual.
Confira:
Como você recebeu o resultado de primeiro colocado do Concurso de Composição Shostakovich 2021 com a obra String Quartet nº4?
Recebi o comunicado do presidente da comissão do Concurso Internacional de Composição Musical Shostakovich 2021 com uma mistura de alegria e extrema surpresa. Mesmo porque eram dezenas de compositores de diversos países, a maioria com grande tradição na composição de música de vanguarda tais como Alemanha, Itália, Rússia, Polônia, Reino Unido, Grécia e China. Geralmente, obtenho alguns destes bons resultados de três em três anos. Como este ano fiquei com o 2 Lugar no Concurso de Composição de Smeredevo na Sérbia e o Primeiro Lugar no Concurso Internacional de Composição Piero Farulli na Itália, não esperava receber mais esta premiação, por um de meus Quartetos de Cordas ainda inédito e já recusado pela Comissão da Bienal de Música Brasileira no Rio de Janeiro em 2019…
Poderia comentar a composição e execução da obra?
Esta obra fez parte de meus estudos da música atonal no passado (estou atualmente com 45 anos de prática na área da composição musical), e foi o resultado de anos de reflexão sobre a dualidade Tonal-Atonal e minha inserção neste mundo. Mas, como é de meu costume há décadas, incluo novas estruturas sonoras e rítmicas junto a Teoria Atonal criando um trabalho personalizado. È uma obra que possui quatro movimentos bastante diferenciados entre si e de curta duração, mas, que não deixa de trazer surpresas pela poética utilizada: em um dos movimentos criei uma valsa atonal de beleza inusitada. Os quatro instrumentos – Violino I, Violino II, Viola e Violoncelo – utilizam o máximo da expressividade e da sonoridade deste conjunto clássico, com o uso intensivo também das cordas duplas, triplas e quádruplas, harmônicos naturais e artificiais, Pizzicato Bartok, Sul Ponticello, entre outros novos e antigos efeitos pertencentes a este conjunto…
Em relação à execução da obra pelo ucraniano Phoenix Ensemble diria que foi quase que perfeita. O leste europeu tem uma excelente escola de instrumentos de cordas e de piano, e primam pelo apuro técnico com alto nível de execução. Tanto isto é verdade que muito do que escutamos nos filmes de Hollywood é gravado no leste europeu e não nos EUA como imaginamos, por terem alta qualidade e preço extremamente competitivo. Poderia discordar da interpretação do final do último movimento onde alteraram o andamento – bem mais rápido do que o ideal -, e de uma ou outra nota que foi acidentalmente trocada… mas, tudo somado, foi uma grandiosa realização feita pela primeira vez deste meu quarteto de cordas atonal. Na verdade, quando a obra é disponibilizada para os intérpretes, estes acabam por se apropriar dela e incluem determinados modos próprios… o compositor não tem controle total da obra, mesmo que se esforçe para isto notando absolutamente tudo na partitura musical!
Qual o cenário que você enxerga no Brasil, seja para as artes e/ou cultura, atualmente e para os próximos anos, tendo em vista que teremos eleições em breve e a necropolítica continua abrindo espaço.
Excetuando-se as ações de alguns parlamentares que criaram a Lei Aldir Blanc (Jandira Feghali e outros) e que estão trabalhando na Lei Paulo Gustavo; o atual cenário no país é o pior possível. Só em 68 com o AI5 foi pior. O aparelho do Estado, a economia, o meio ambiente, a arte, a cultura, a educação e a ciência foram conscientemente destruídos pelo inominável e seus asseclas e isso ficou bem claro antes da eleição…
Nunca o resultado do ENEM foi tão excludente. Excelentes cérebros brasileiros estão saindo do país. Querem transformar o Brasil apenas em um lugar de produção de alimentos e não de produção de conhecimento. Não iremos deixar isto acontecer. Vamos resistir, não vamos nos resignar, vamos lutar até que tudo mude. A partir da eleição do próximo presidente – progressista, democrático e inclusivo – reconstruiremos o Brasil que queremos, nem que para isto se demore dez anos ou mais. O Registro de Propriedade Intelectual de Obras deveria ser feito apenas na Biblioteca Nacional e com um custo bem razoável. Não é isto o que está acontecendo e muita coisa errada neste sentido está sendo veiculada livremente na Internet, sem qualquer controle do Estado, o que só vai lesar o autor nacional. Mudaremos isto também.
Qual o significado da Ópera Pitágoras de Samos em seu projeto de musicista, professor e avant-garde?
A Òpera – ou teatro musicado – Pitágoras de Samos foi fruto de décadas de estudo e atuação junto ao teatro – cito em especial minha participação no Theatro Musical Brazileiro de Luiz Antônio Martinez Correa e Luiz Antônio Barcos. Foi um período em que observava os elementos teatrais, roteiro, música, figurino, cenário e que culminou com a criação deste teatro musicado que é ambientado na Grécia de 2.500 anos atrás, mas, conta com elementos da contemporaneidade tais como: genocídio, corrupção, suborno, ódio, destruição da ciência, etc. O espetáculo foi filmado no Teatro do SESI sem o público. O resultado foi acrescido de animações, créditos, gravação masterizada e disponibilizado na internet para acesso público e gratuito, sendo que o desafio agora é colocar esta ópera no palco com cantores, músicos, figurino, cenário, direção cênica, etc…
Comentários adicionais
Importante ressaltar que tanto o libretto como a música foram desenvolvidos a partir das ações cênicas, muitas delas retiradas de fragmentos históricos, sendo que o que foi escrito sobre Pitágoras foi ser produzido apenas cerca de 200 anos após sua morte. Os sistemas modal, tonal e atonal são usados em concordância com o drama que se desenvolve durante os 90 minutos de duração da obra. A partir do momento em que tudo se torna conflitante e tenso, a música muda de tonal-modal para atonal, tornando-se igualmente tensa. O enorme tempo para se estruturar a ópera Pitágoras de Samos foi devido às obras mestras precursoras de Leon Cavallo, Richard Wagner, Arrigo Boito, Christoph Parker, apenas para citar alguns compositores que também escreveram o libreto.
A Ópera Pitágoras de Samos estará no programa de rádio Sons da Resistência #19, dia 24/12, 19h.
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