Conta Comigo • Ser mulher e ser editora
Dia 20/01/2022 foi um dia importante, mais um marco para mim, pois foi o lançamento da Revista Literária Contos de Samsara.
Estive nos últimos meses envolvida com este projeto. Na verdade, uma ideia antiga que conseguiu encontrar no decorrer de 2021 o caminho certo para se consolidar. O fato de fazer parte de um coletivo de mulheres escritoras – o coletivo Escreviventes (@coletivoescreviventes) – foi parte importante desse processo, pois o apoio mútuo é um ingrediente importante para a autoconfiança.
Nesta coluna, falo constantemente sobre ser escritora e mulher, dos desafios desse mercado ainda tão ligado a uma visão patriarcal. Falo das dificuldades que começam ao se ter a coragem de se tirar os textos das gavetas. Falo do sentimento de impostura despertado quando começamos a usar a palavra “escritora” em referência a nós mesmas. Falo do medo de mostrar os textos autorias a outras pessoas. Falo da indústria de livros quase fechada às mulheres. Falo do mercado livreiro voltado ao homem-branco-cis-hétero. Falo da crítica severa recebida pelas autoras.
É preciso lembrar: essa trajetória é comum a TODAS as escritoras. Até mesmo aquelas que conseguiram driblar todas essas muralhas e ter espaço relevante na literatura. Ninguém chega lá ilesa. Elas sentiram medo, insegurança e quase sempre a crítica foi mais dura com elas em comparação a alguém do sexo masculino.
Maya Angelou, célebre escritora estadunidense, autora de obras feministas e antirracistas, disse:
“Eu já havia escrito onze livros, mas toda vez eu pensava: ‘Uh oh, agora eles vão me desmascarar. Eu tinha enganado todo mundo e agora eles iam me desmascarar.’”
A frase da célebre autora mostra bem a insegurança gerada pela síndrome da impostora.
A síndrome do impostor consiste em uma autossabotagem vinculada à crença de que nunca se é bom o suficiente para dar um passo adiante. É muito mais comum entre mulheres (esta a razão de, por vezes, o nome da síndrome ser grafada no feminino como fiz no parágrafo acima) por haver uma construção social de que não podem ou não devem ocupar determinados espaços.
Mas eu até agora só falei de escritoras e não falei da importância de termos editoras mulheres. Vamos combinar que ser editora cruza dois papéis atacados nessas relações de gênero: o fato de ser uma mulher lidando com literatura e o fato de ser uma mulher em uma posição de liderança.
O que faz a editora (ou o editor)?
De forma geral, trabalha com as etapas do processo de publicação de um livro, ou de um texto para ser mais abrangente. Principalmente:
– Selecionar entre originais o que será publicado;
– Alterar o texto de forma que fique mais apto a alcançar os seus objetivos e o seu público;
– Organizar o processo.
Como eu já tinha experiência em praticamente todas as etapas da edição de uma publicação, pois sou crítica literária e revisora e, além disso, já havia feito algumas autopublicações, a parte técnica foi muito tranquila de realizar. Então pergunto: o que me impedia de fazer algo assim? Lá está a síndrome da impostora, o sentimento de não ter permissão para determinadas ações. Talvez por isso sejamos tão poucas editoras ainda.
O problema é o número escasso de mulheres atuando como editoras. A predominância de homens corrobora para que eles, os escritores, continuem escolhendo textos que confirmam o ponto de vista masculino.
A virada já começou. Já é sabido da parte das mulheres que a união feminina é o primeiro passo para se chegar a todos os espaços. Revistas literárias como Desvario, La Loba e Cassandra publicam apenas escritoras, assim como algumas editoras, por exemplo, Luas, Aliás e Voz de Mulher. Através desta última eu publiquei o meu livro “Conta Comigo! Três Vezes Mulher” e o motivo da coragem de enviar um original pela primeira vez para submissão foi despertada pela confiança de saber que seria avaliado por uma equipe exclusivamente feminina.
Eu nunca falei que publicaria apenas escritoras. Na verdade, coloquei como objetivo com esse meu novo empreendimento incentivar a divulgação de autores e autoras nacionais e fazer a literatura chegar a mais pessoas. Entretanto o fato de estar sempre defendendo a importância da escrita produzida por pessoas do gênero feminino, fazer parte de um coletivo feminista e, claro, ser uma mulher, foi, no meu ponto de vista, razão para encorajar uma maioria de autoras submetendo os seus contos à revista. Isso para mim foi um grande sucesso!
A Revista Contos de Samsara estreia com quinze contos dos quais treze são de autoria feminina. Agradeço demais a confiança, meninas! Sigamos buscando nossos espaços.
Você pode baixar gratuitamente a Revista Contos de Samsara clicando aqui ou acessando o site www.contosdesamsara.com.br.