Cavando Ideias – Adolescentes são difíceis
Cavando Ideias – Adolescentes são difíceis é coluna de Silvia Ferreira Lima
Há algum tempo tenho relido o livro ‘História dos Jovens: da Antiguidade à Era Moderna’ e algumas citações têm chamado minha atenção. Primeiro, porque ao tratar da frase de Cristo: “Vinde a mim as criancinhas”, não sei se fui justa ao colocar os adolescentes no mesmo parâmetro em que as crianças, quando tiveram que retornar às aulas presenciais. Afinal, a mudança de uma faixa etária para outra traz inúmeras transformações no comportamento e nas ideias. Inclusive, porque a partir da adolescência, o ser humano encontra-se apto a raciocinar de maneira abstrata, a entender o que não podia entender porque não sentia, visualizava ou compreendia.
Ensinando Adolescentes
Lembro de ter ensinado um aluno no Colégio Objetivo em São Paulo, que dava muito trabalho de comportamento. Até que um dia, disse-me que gostaria de ser professor. Então, eu percebi que alguma importância eu deveria ter tido para ele. Na época, eu tinha uns vinte anos e não uns cinquenta e sete. O livro acima afirma que “não existe uma juventude única e que a diferenciação social, as desigualdades em termos de riqueza ou de emprego aí fazem sentir todo o seu peso” (p.9)
Na realidade, dando aulas para alunos de sétimo ano, eu percebo uma enorme diferença: há alguns que eu abraço e beijo todos os dias, enquanto há outros que eu não posso nem ver, tal a irritação que eles transmitem. Conhecedora de fundamentos psicológicos, percebo que os mais irritados são justamente os mais críticos os quais, provavelmente, são piores entendidos em casa e/ou na rua. Mas acho que já não sinto a mesma vontade ou prontidão para ajudá-los e ensinar-lhes um novo caminho ou uma nova opção. Hoje, eu já os vejo com liberdade o suficiente para assumirem a responsabilidade por suas escolhas.
Um dia, ouvi um destes alunos irritados e irritáveis reclamarem que eles só possuem professoras velhas de português. Talvez porque eu e minha colega devemos estar na mesma faixa etária. Muitas vezes eu me questiono a esse respeito. Considero tão desgastante não conseguir conversar sem que tais alunos retruquem ou critiquem alguma atitude ou gesto meu, que no final eles não possuem qualquer noção do que seja ou por que seja. A irritação e os gestos violentos tornam qualquer convivência muito mais difícil. E nada melhora deste modo. Não existem troca de ideias ou conversas construtivas.
A importância dos ritos
“A juventude é ritmada por uma série de ritos de saída e de entrada que dão a imagem de um processo de consolidação por etapas, o qual garante uma progressiva definição dos papéis da idade adulta” (p.11). Articulando a citação acima, acredito que se as escolas públicas colocarem um tipo de ritual, que já vi em algumas poucas escolas privadas de qualidade, talvez se a cada ciclo ou a cada série, os alunos fizessem um trabalho individual e em grupo que terminasse com um evento ao final do ano, em que pais e familiares participassem e conhecessem os trabalhos dos filhos; os mesmos já se preparariam desde o início de cada ano, para executar um trabalho com qualidade, a fim de bem concluírem a etapa escolar. Talvez isso marcasse um ritual para o qual cada aluno e cada grupo de alunos se preparassem para realizar e que, ao mesmo tempo, mostrassem o que cada grupo se torna capaz de fazer a cada momento.
Claro que, para este trabalho existir, seriam necessárias horas de conversas em conjunto com os professores e Orientadores Pedagógicos de cada etapa, em cada escola. Certamente que isso demandaria mais algumas horas de dedicação ao trabalho, estudo e preparação que, no entanto, já viriam computadas nos vencimentos mensais de cada profissional. Exigiria tempo e dinheiro para que isso pudesse acontecer. Mas talvez ajudasse. Interessante que, no momento em que comecei a escrever este artigo, cheguei a ler o edital que saiu no Estado de São Paulo, na madrugada de hoje, 31/05, afirmando que a qualidade do ensino público é diretamente proporcional à valorização social da profissão, que começa com o melhor pagamento dos salários da categoria.
Infelizmente, tanto as prefeituras, quanto os governos estaduais e federais têm optado por comprar equipamentos, ao invés de formar profissionais com capacidade para utilizá-los ou ainda superar seus usos. Afinal, mesmo que o material didático seja necessário, que as horas de pesquisa sejam fundamentais, de princípio, a boa educação é feita por bons professores, estimulados e bem pagos a ponto de poderem morar, comer, vestir-se, educar seus filhos e pagarem pelos cursos e materiais necessários a sua aprendizagem. O que normalmente é bem caro! Além de, com certeza, o professor precisa ter acesso aos bens culturais, como: cinema e teatro, para poderem, inclusive, sugerir a seus alunos, como atividades prazerosas e educativas.
É lógico que toda mudança estrutural exige investimento de tempo e dinheiro. Só que não vejo realmente a valorização que a sociedade oferece para a educação. Na realidade, do mesmo modo que na Islândia, um professor deve ganhar mais do que qualquer profissional, porque sem bons professores não teríamos bons médicos, bons cientistas, bons advogados, bons juízes e até bons políticos. Tudo, enfim, volta ao sistema político e a falta de importância que este oferece à educação de seus cidadãos. Só comentam que é sempre difícil encontrar profissionais qualificados para qualquer tipo de serviço. E quando encontram, o mesmo dá valor adequado ao seu trabalho e conhecimento de forma que não se sujeita a péssimas condições de trabalho. Enfim, quanto tratamos de trabalho ou ganho de vida, todos devem ter os mesmos direitos e oportunidades. E ninguém deve se considerar melhor do que ninguém, mas deve respeitar o tempo e o trabalho de cada um.
Nossa vida é contada em tempo, em horas, dias, minutos, anos, décadas. E o trabalho é sempre o caminho escolhido por cada um para se tornar útil à sociedade e até mesmo para se identificar enquanto ser humano. Para encontrar sua função e objetivo de vida. Claro, que estes objetivos podem mudar com o passar do tempo. Cada pessoa tem o direito de fazer novas escolhas e dedicar seu tempo se preparando para exercer outras atividades ou funções. Todos precisam considerar a vida de cada pessoa e a própria vida desta forma. Assim, quando se olhar no espelho pode encontrar sua real motivação e personalidade. Estas são questões imprescindíveis. Já, a escola e o professor possuem uma papel de extrema importância nestas escolhas. Em qualquer situação e qualquer momento de vida de cada sujeito.
(ainda continua)
Referências:
Jornal O Estado de São Paulo 31/05/2022.
História dos Jovens vol1: da antiguidade à era moderna organizado por Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt Ed. Companhia das Letras, São Paulo, 1996.