Conta Comigo – Superando a Síndrome da Impostora

Conta Comigo – Superando a Síndrome da Impostora

Conta Comigo – Superando a Síndrome da Impostora.

 

Engraçado ser escritora. A gente usa a palavra escrita pra falar o que quer, soltar o verbo, se libertar. A vida já é cheia de amarras, então a arte é o nosso escape.

Há uma fase na vida de escritora que a gente guarda tudo na gaveta, teme testar o público e, normalmente, com um bom motivo: é que a gente morre de vergonha do que escreve.

Quem é mãe vai entender direitinho: sabe o seu filho que você passa horas educando, aí vai no supermercado e ele se atira no chão cheio de birra porque quer uma coisa que você não vai comprar?

Cena até corriqueira. Mas dá uma vergonha, né?

Pois é! Muito do que a gente escreve é uma criança birrenta batendo pé e se atirando no chão.

Vergonha! Vergonha! Vergonha!

Como mostrar pra alguém que essa “vergonha” saiu de dentro da gente? Como?

Normalmente a gente começa mostrando os textos “certinhos”, feitos dentro de uma forma, já se pensando na pessoa que supostamente vai ler.

Educado, cortês, super social.

Esse texto vai agradar, mas também não vai mudar a vida de ninguém. Muito menos a sua. Esse texto foi mais uma vez que você fez o que os outros queriam.

O texto que você escondeu na gaveta tinha personalidade, tinha verdade e tinha uma coisa que você quer: liberdade.

Esse texto é a criança birrenta… Não!

Esse texto contém a criança birrenta que você foi e que a sociedade reprimiu.

Esse texto é você sendo birrenta. É você que quer muito algo e vai bater pé e se atirar no chão pra ser notada, vista, ouvida.

Essa birra, o tempo todo, não era birra. Era você sem amarras.

Depois de muito escrever e de um processo bem longo, eu sinto coragem e não medo ou vergonha. Eu desafio as pessoas a lerem o que tenho a dizer. Quero ver quem tem coragem!

Aconselho que você, escritora, faça o mesmo, se liberte! Tenha coragem!

Mas continue educando os seus filhos.

(Texto: Como eu tive coragem de escrever isto?, publicado em 12/05/2021 no Instagram @contosdesamsara)

 

Produzi o texto acima depois de ter escrito o conto “Mordida”, publicado na coletânea “De corpo inteiras”, primeira obra produzida pelo Coletivo Escreviventes. Em outra ocasião, já comentei nesta coluna sobre esse conto e um dos motivos da minha repetição é justamente o fato de ele ser muito forte, impactando meus critérios de mostrar ou não meus escritos a outras pessoas. Tentando não tirar a surpresa para quem ainda não leu, resumo seu conteúdo dizendo que a tal “mordida” é, na verdade, uma reação a todo o sistema que oprime a nós, mulheres, uma mordida no falo patriarcal. Para tanto, tive que usar toda a minha ousadia artística, trazer um misto de agressividade, obscenidade e subversão, e o resultado está lá para quem quiser ler.

 

Essa escrita foi um divisor de águas para mim, que sempre tive medo de mostrar o que escrevo. Veja bem, eu já havia recebido o aceite de uma editora tradicional para publicar meu livro “Conta comigo! Três vezes mulher”, e a editora-chefe da Voz de Mulher, ao conversar comigo, mostrou total entusiasmo com a minha obra. Minhas colegas escritoras também sempre me deram apoio e, claro, se não fosse assim, talvez eu não tivesse encontrado a ousadia necessária para colocar para fora essa perturbação presente no dia-a-dia de todas as mulheres.

 

Porém, com essa caminhada positiva nos meus primeiros passos como escritora, o que ainda me amedrontava?

 

O que me amedrontava é o mesmo que assusta muitas pessoas, principalmente as mulheres. O que me amedrontava era algo que impugna suas carreiras, limita a trajetória e desvaloriza até mesmo aquilo que é feito com primor. O que me amedrontava era essa coisa que persegue escritoras e impede muitas delas de tirar seus textos da gaveta.

 

Falo da síndrome da impostora – escrito assim mesmo no feminino porque, para nós, isso é ainda mais forte do que para eles. Já falei dessa condição em outros artigos, mas hoje trago como destaque porque acho fundamental saber que não somos as únicas a ter esse sentimento e que é possível sair do ciclo de ansiedade e medo provocados por ele.

 

Mas afinal o que é a síndrome da impostora?

 

Síndrome da impostora é uma desordem psicológica que pode despertar as seguintes características:

  • Não confiar no próprio trabalho;
  • Não se ver como digna de reconhecimento;
  • Acreditar que suas conquistas foram por sorte e não por mérito;
  • Temer que sua “farsa” seja desmascarada a qualquer momento;
  • Deixar projetos inacabados para evitar o fracasso (autossabotagem);
  • Sentir ansiedade e/ou depressão em função desse processo.

 

Por que somos atingidas por essa síndrome? Ou por que somos mais atingidas do que os homens?

 

A limitação social imposta às mulheres é algo que conhecemos desde meninas. A criação da maioria de nós ainda é baseada em critérios seletivos e sexistas e, desde cedo, percebemos que há espaços que são para nós (geralmente dentro da esfera doméstica), há espaços que são preferencialmente ocupados por homens e, ainda, outros restritos a eles.

 

Eu, por exemplo, cresci ganhando bonecas e panelinhas de presente de Natal, enquanto meu irmão ganhava bolas de futebol e carrinhos. Minha mente entendeu tão bem a sugestão que até hoje dirigir um carro é um problema para mim e, bem, nunca joguei futebol na vida. Em compensação, tive como meta na minha juventude formar a minha família nos moldes convencionais, casar, ter filhos, cuidar de uma casa… Fiz isso em paralelo com outros sonhos e, sobrecarregada, tive que fazer escolhas e adiar a escrita para um pouco depois, recomeçando apenas com os filhos mais crescidos.

 

Como sempre falo, há uma restrição quando o assunto é publicar mulheres. Assim, lá vai a mente falando silenciosamente que não vamos conseguir. Confira os clássicos: praticamente só homens. Nas listas de mais vendidos, lá estão eles. Sabemos que para lançar um livro precisaremos virar exceção. Por isso tanto medo.

 

Além disso, a crítica sempre é mais severa com as mulheres. Então, mesmo depois de escrever, ter coragem de mostrar para alguém, enviar para uma editora ou se autopublicar, mesmo tendo se preparado para isso, mesmo tendo traçado uma rota mais firme e bem planejada do que a maioria masculina faria, ainda, vez ou outra, volta ao nosso ouvido a voz da impostora dizendo que está tudo errado, estamos fora do nosso lugar, somos uma fraude, não merecemos nada…

 

Como fazer para superar a síndrome da impostora?

 

  • Esses dias, encontrei na internet uma dica muito interessante e bem prática: você deve tirar um print de cada elogio ao seu trabalho recebido nas suas redes sociais e arquivar tudo em uma pasta. Cada vez que estiver em um dia ruim, sentindo-se para baixo e sem entusiasmo ou desacreditando da qualidade de seu trabalho, você deve abrir essa pasta e ler tudo o que você guardou para lembrar-se do quanto você é incrível no que faz.

 

  • Você precisa se lembrar de que não está sozinha. Mulheres famosas e bem-sucedidas passam por esses mesmos questionamentos. Muitas delas já se posicionaram publicamente sobre essa condição, como Michelle Obama, Gabriela Prioli e Kate Winslet.

 

Dentro da literatura, destaco a escritora estadunidense Maya Angelou com sua afirmação:

 

“Eu já havia escrito onze livros, mas toda vez eu pensava: ‘Uh, oh, agora eles vão me desmascarar. Eu tinha enganado todo mundo e agora eles iam me desmascarar.’”

 

Em âmbito nacional, Clarice Lispector, em diferentes momentos, posicionou-se insegura quanto a sua escrita. Gosto do trecho a seguir em que ela reavalia a sensação de insuficiência.

 

“Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei, e por ser um campo virgem, está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é minha parte maior e melhor, é minha largueza. É com ela que compreenderia tudo. Tudo o que não sei é a minha verdade.”

(Diálogo)

 

  • Muitas vezes vamos sofrer críticas e isso é normal, então busque grupos com os quais você se identifica. Atualmente, os coletivos de mulheres escritoras são uma forma muito eficaz de conseguir isso. Estar entre pessoas com características afins gera empatia, abre espaço para conversas sobre os temas que lhe perturbam e, sobretudo, acolhe.

 

Voltando ao texto que escrevi no ano passado, foi um momento de orgulho por mim mesma, quando rompi com algumas travas que poderiam prejudicar minha escrita. Muitos textos vieram depois de “Mordida”, livres de medo ou incertezas.

No entanto, a síndrome da impostora por vezes volta, quando vou dar mais passo, quando saio da zona de conforto, quando me exponho. Ela faz parte do processo, agora eu sei. Se estou em vias de fazer algo muito bom, ela aparece. Eu peço licença e sigo, desviando e olhando para a frente.

 

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