Cavando ideias • Rolando parte 1
Cavando ideias • Rolando parte 1 integra uma sequência de quatro artigos da coluna de Silvia Ferreira Lima. Apresentamos a parte 1:
Nos últimos tempos, lendo romances, ciência e filosofia; além de ficar assistindo à Star Trek do comandante Picard, cheguei à conclusão de que realidade é mais individual do que social. Uma vez que cada pessoa acredita no que quer e constrói seu mundo em torno destas crenças. Claro que neste meio, existe muito engano e muitas falhas. Porém, algumas regras são universais: todos os seres humanos têm os mesmos direitos, uma vez que todos são filhos de Deus, e para isso utilizo a Bíblia e as palavras de Cristo. Mas aqui começo uma narrativa de ficção. Ainda que eu reflita sobre tudo isso.
O amor é a maior força de união existente, logo jamais devemos desejar a destruição de qualquer coisa. Devemos sim, procurar construir um mundo feliz a partir de nossos desejos e de nossa fé. Outra coisa que está na Bíblia: “a fé remove montanhas”. Então, se o apóstolo Pedro não foi capaz de andar sobre as águas é porque ele foi um homem que não demonstrou a fé necessária. Finalmente, precisamos sempre amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Logo, devemos ficar felizes com a felicidade do outro. Não importa quem ou como seja o outro. O que importa é ter amor no coração.
Voltando à ficção, imaginei-me, de uma das 144 mil espécies de humanóides presentes na Galáxia, portanto, com os mesmos direitos e poderes de todos os outros. Assim, eu tinha uma família e amigos no meu planeta de origem, talvez na Constelação de Sirius, ou na Galáxia de Andrômeda. Não me lembro do meu aspecto físico, lembro apenas que possuía um foco de luz bem grande. Meditava e brilhava, assim como meus semelhantes. Podia viajar entre planetas e galáxias, assim como todos os outros. Mas, sempre fui curiose (acho melhor usar uma concordância sexual genérica nesta situação, mesmo porque não tínhamos uma diferença sexual como se diz, mas existia uma diferença energética, difícil de explicar, só dá para sentir mesmo). Por isso, a partir do momento em que soube que, do meu planeta, poderíamos enviar um representante de nossa espécie para colonizar um planeta que se originava: Gaia. Eu pedi para viajar.
Bem, eu tinha grandes habilidades para comunicação, então, imaginava que manteria contato com minha família e meu planeta com facilidade. Imaginava que poderia registrar minhas experiências e até mesmo ensinar o que eu já tinha aprendido na minha comunidade de origem. Além disso, inicialmente, Gaia possuía várias passagens para outras esferas. Por isso, em determinada época do ano, com a ajuda da posição dos astros; eu podia passar de um mundo para outro e encontrar com meus amigos e familiares. No entanto, um belo dia, a posição de Gaia se modificou. E houve uma grande inundação.
Eu fora alertada das mudanças assim como alguns amigos de outras raças. E conseguimos sobreviver. Mas o planeta começou a se modificar e fomos nos esquecendo de nossas origens assim como de tudo o que sabíamos anteriormente. Passamos por mudanças genéticas que primeiramente fez-nos esquecer de nossas identidades. Esquecemos nossas características e aptidões. Houve um lado bom, que foi começarmos a exercitar nossas mãos para criarmos objetos, casas, roupas, comidas, artefatos para caça e pesca. Com o passar do tempo, deixamos até mesmo de reverenciar nossa mãe Gaia, que nos alimentava e matava nossa sede, que nos fornecia tudo de que precisávamos e que nos protegia dos perigos naturais, quando lhe fazíamos reverências.
Começamos a duvidar de nós mesmos, perdemos nossa confiança. Em seguida, perdemos nossa alegria de viver. Passamos a curtir a noite de modo soturno. Sempre prontos para nos defender e atacar ao mesmo tempo. Só em alguns momentos, quando fechávamos os olhos, conseguíamos nos encontrar com nossos amigos e viajar até nossos planetas de origem em pensamentos ou em sonhos. Porém, esquecíamos de tudo quando despertávamos, conservávamos apenas a alegria e a satisfação de viver. Passamos a seguir regras que não eram nossas e a fazermos o que não gostávamos de fazer. Mesmo a procriação passou a ser tão violenta e insensível quanto nossas atividades de caça. Chegávamos a caçar nossas presas, sem reverência à vida, ou sem piedade pelos sofrimentos dos seres que davam a vida por nós. Entretanto, ainda tínhamos um amigo: os lobos que nos seguiam e que comiam o restante de nossas caças. Grandes amigos, eles se transformaram, porque nos avisavam se alguém se aproximava e com quais intuitos.
Algumas atitudes nos davam paz, como observar as estrelas à noite, observar o céu durante o dia. Observar as plantas crescerem e a luminosidade do dia e as estações se modificarem. Alguns animais eram menos violentos para sobreviverem ao nosso lado, como as galinhas e as vacas. Então, passamos a colher ovos e a ordenhar vacas. Habituamo-nos a semear a terra e alimentar os animais que viviam a nosso redor. Então, passamos a viver em pequenas tribos, onde cada um exercia diferentes funções para nossa sobrevivência. No geral, vivíamos em paz até que alguém surgia querendo tomar os frutos de nosso trabalho. Então, éramos obrigados a guerrear. O que me dava insatisfação e certa saudade de viver sem ter que brigar, muito menos sem ter que matar alguém. Da mesma forma, descobrimos que morríamos. O que até então não tinha acontecido.
De repente, acordávamos numa nova vida e num novo corpo, aprendendo a viver naquele grupo ou naquele povo com quem não vivíamos antes. Teve um momento, em que me vi como uma mulher e descobri a sexualidade. Mas eu era obrigada a servir num templo e fazer previsões para a vida dos outros. Ervas eram queimadas e eu via os brilho de luz da vida do consulente. Então, passava a utilizar os mesmos dons para os quais eu já tinha habilidade antes. Comecei a relembrar de minha origem extraterrena. Por isso, não quis mais me sujeitar àquelas regras, àquelas leis, às quais eu era obrigada a respeitar. Resolvi fugir para viver com um dos consulentes.
Fugimos e tivemos momentos lindos de amor, como eu pensava ser possível antes de me tornar uma vidente. Mas a vida de meu companheiro não durou muito. Ele foi derrotado numa briga e arrastado ferozmente pelos cabelos, enquanto outro homem sanguinário o arrastava do alto de uma carroça. Eu chorei muito com a cena. Assim, descobri a dor extrema e a tristeza mais profunda. Mesmo assim, eu fugi; só sabia correr. Disfarçada sob véus e roupas grosseiras, as quais eu jamais vestira até então, consegui me esconder num povoado e ficar disfarçada por meses. Enquanto minha barriga crescia e eu sabia que teria um bebê. Eu vivia escondida em barracas, jogando pedras, com símbolos escritos a fim de ler a sorte, ou ver o destino dos consulentes.
Creio que minha habilidade acabou por me denunciar, porque ao sétimo mês de gravidez, eu fui encontrada por um guarda da cidade na qual eu trabalhava como pitonisa. Ele me pegou de surpresa e atravessou a mim e ao meu futuro bebê com uma espada. Senti dores e esvaí em sangue por algum tempo até que fechei os olhos e morri novamente. Daí, eu passei alguns séculos chorando de revolta e indignação. Porém, eu não fora a única sacrificada na vida anterior. Mais tarde, eu descobri, que o casal que me criara como filha, caíra no descrédito, sofrera o exílio e a morte em condições terríveis. Fiquei muito mais triste por isso. Senti que tinha sido a desgraça na vida de boas pessoas, que eu aprendera a amar, com os quais eu tivera uma relação de confiança. Então descobri o que era o sentimento de culpa. E sofri arduamente por isso.
Nada mais lembrava o mundo e a sociedade tranquila na qual eu vivera antes de chagar a Gaia. Além de tudo, eu me encontrava num círculo de dor e sofrimento inesgotáveis. Eu sempre me sentia culpada, embora não estivesse errada quanto à revolta contra as regras e prisões em que eu vivia. Eu era escrava num mundo de relações em que caíra, sem intensão de ferir ou magoar ninguém. Muito menos a mim mesma. A partir daí, eu sentia falta do mundo iluminado e das pessoas reluzentes que eu conhecia. Meu único escape ocorria durante o sono. Como eu sentia necessidade de dormir!
(continua)