Cavando Ideias – Grupo Mamoeiro de Teatro

Cavando Ideias – Grupo Mamoeiro de Teatro

Cavando Ideias – Grupo Mamoeiro de Teatro é artigo de Silvia Ferreira Lima em sua coluna semanal.

OKUTA HIIPADATIKI   (Pedra Pedrinha em Iorubá e Baniwa)

Lili Baniwa conta a história do fim do mundo
Lili Baniwa conta a história do fim do mundo

Eis o nome do espetáculo, o que na linguagem ou no dialeto do povo indígena de que se origina uma das atrizes do grupo, Lili Baniwa, relaciona-se à lenda do fim do mundo e, ao mesmo tempo, à pedra dura, onde um dos indígenas, que quando ouve que o mundo vai acabar pretende se esconder do fim do mundo, mas nem isso pode protegê-lo. A aluna indígena começa relatando a lenda em   Baniwa e finalmente a traduz para português. Dizendo como os indígenas duvidam do final do mundo quando olham para a grandeza da natureza e consideram que no início todos os animais eram gente e eram animais. Ou seja, eram respeitados como seres humanos, pois existia solidariedade. O que os homens brancos que invadiram suas terras, incendiaram a natureza, poluíram os ares, mataram os animais e destruíram o mundo, jamais amaram e respeitaram a vida como os indígenas.

A primeira cena, ou início da peça, começa com a fala indígena. Continua com a distribuição de pedras desenhadas entre os participantes, que as devolvem ao indígena lá pelo meio da peça. Depois da lenda indígena, a peça continua com o discurso político do homem branco e segue com a marcação de tempo do relógio, que leva a plateia para a estação de trem. Daí, a plateia é convidada a participar de um revolução, “SE a revolução fosse um passeio, me convida para passear”. Eis o convite dos atores para aqueles que os ouvem. Embora em vários momentos eles perguntem a si mesmos e à audiência, quem os está ouvindo, ou com quem eles estão falando. Todos aceitam o convite e atravessam os fios tecidos como passagem ou marcação do espaço. Sentados no banco da estação, assistimos à seca, à chegada dos marinheiros e ao desespero dos homens que querem reaproveitar o que têm de água. Daí, ouvimos um discurso político dos alunos, representados pela aluna Fernanda Marino, que discursa como representante discente. E demonstra que todo o elenco está disposto a lutar pelo que acham bom e justo, pela inclusão dos excluídos e pela solidariedade humana.

 

Fernanda Marino pergunta onde está o amor
Fernanda Marino pergunta onde está o amor

Novamente retornam os políticos brancos que atiram pedras à população chamando-os de galinhas e desprezando qualquer opinião ou manifestação. Outro aluno discursa sobre sua atividade de amassar e sua insatisfação por continuar fazendo isso. Até que resolve não amassar mais. Há ainda a bela cena em que os alunos prestam seus depoimentos sobre o que fazem no palco e qual a razão de terem escolhido esta profissão. Os depoimentos são lindos, tocantes, principalmente, quando uma das atrizes, a Ligia, conta o fato de o avô perguntar-lhe o que fazia o mundo ser mundo e a neta pequena lhe responder que era a quantidade de pedras. A qual ela não imaginava que fosse tão grande e passa vários anos da infância e juventude a catar as pedras pelo caminho. Continua assim até o velório do avô, quando a morte de quem ela ama, faz com que sua atitudes percam o sentido.

Ligia também faz outro comentário maravilhoso, contando quando aprendeu a dançar e como encarava todos os movimentos como atitudes fixas, até que um professor lhe perguntou, como era o corpo que dançava. Mudando desde então, todo o sentido que a ação de dançar tinha tido para ela. Todos se aproximam do público para contar o que lhes trouxe para o palco e o que significa o teatro para eles. Importante ainda relatar que os gestos desenvolvidos durante todas as cenas são, na realidade, a linguagem de libras, que se enquadra perfeitamente aos corpos dos atores em cena, o que acrescenta um novo significado a suas presenças no palco.

Há a declamação de um trecho do poema de Carlos Drummond de Andrade que diz que havia uma pedra no meio do caminho. A pedra que no início da peça podia ser uma proteção ou marcação de território, passa a ser um estorvo ou atrapalhação. Todos se colocam a respeito de diversas etnias, também dançam com lanternas reproduzindo o movimento do trem da estação. E todos vão repetindo pedra, pau, espinho e grade. O texto se repete com diferentes ritmos e melodias de acordo com a cena. E quase no final da apresentação, entendemos que a pedra, o pau, o espinho e a grade são os problemas que todos encontram no seu processo de luta para a realização de um sonho. Explicando detalhadamente, que cada tentativa  de realização dos sonhos, provoca uma chuva que cai e irriga a terra, tornando o chão mais propício para a concretização dos sonhos e desejos que todos temos.

 

Discurso dos Políticos que justificam a destruição da Amazônia
Discurso dos Políticos
que justificam a destruição da Amazônia

O palco desde a Grécia antiga até os dias atuais é um local político. Um local em que se convida para uma revolução, uma mudança para melhor, a reflexão e a atitude capaz de concretizar nossos sonhos. O convite para que cada um de nós, seres humanos, nos levemos para passear. É uma briga entre vizinhos, uma vez que as opiniões são diferentes, as etnias são diversas, a sexualidade seja variada, porém precisamos desenvolver a empatia e o amor a outros seres humanos e animais. Ou estamos fadados a nossa própria destruição com a destruição do mundo, já relatada na primeira cena. Sem contar que assistimos aos políticos com discursos progressistas, afirmarem que queimam a Amazônia para oferecerem mais terra aos homens. Quanta mentira, afinal, aumenta o número de pessoas sem terra para plantar e, consequentemente, sem comida. Sem alimentação saudável para toda a população, uma vez que  este governo sem consideração, ainda joga veneno (utilizando fertilizantes fora de uso no resto do mundo) para matar a população de câncer.

Todos sabemos disso, mas por que não nos convidamos para passear? E retorno à fala da indígena que afirma que esta é uma briga de homem branco e que não são os indígenas que vão recuperar a natureza, enquanto são os próprios homens brancos que destroem o mundo, matando aos outros homens brancos. Então Lili conclui, a esta questão ela oferece “um grande e amoroso FODA-SE!” Eis como o texto é forte, como a peça é bem distribuída pelo espaço, e até mesmo como os deslocamentos do público têm total relação com a mensagem da peça, que se começa com a queima da planta, termina aos pés de uma das centenárias árvores que existe em frente à entrada do CIS Guanabara.

Cena Final da peça em frente ao Cis Guanabara e em frente a uma árvore secular
Cena Final da peça em frente ao CIS Guanabara e em frente a uma árvore secular

Confesso que para refletir a respeito, e conseguir escrever as reflexões colocadas acima, precisei assistir à peça três vezes, sendo que no dia 29/06 foi o ensaio aberto, a primeira noite foi no dia 30/07, a primeira noite a que assisti foi no dia 01/07, mas continuei assistindo nos dias 02/07 e 03/07. Assistiria mais vezes, pois a cada momento eu pegava algumas frases ou trechos da peça que me marcaram. O elenco também correu, dançou, fez coro e falou individualmente. Conversando com alguns dos atores, consegui mais informações como o nome de alguns atores, noções sobre a linguagem indígena, entendimento sobre o significado do título, observações sobre a fantástica iluminação, o vestuário e a poesia do texto. Foi uma peça majestosa.

O grupo Mamoeiro de Teatro é como se chama a turma de 2019 de artes cênicas do Instituto de Artes da Universidade de Campinas. Nos dias 29, 30, 01, 02 e 03, eles estiveram se apresentando no Espaço Cultural CIS Guanabara, que na realidade, era uma antiga estação férrea abandonada, cujos trilhos e prédios, passaram a ser patrimônio da Universidade de Campinas, assim como espaço de atividades culturais, cursos, exposições e apresentações teatrais como o que ocorreu nestes dias.

O grupo dedicado e talentoso, teve um projeto conjunto, muito bem dirigido pela professora Lucienne Guedes Fahrer, cuja produção, figurino, cenário e maquiagem foi produzida pelos próprios alunos. Assim também a divulgação e o orçamento, para o qual alguns deles passaram o chapéu no final, uma vez que precisam pagar pelo som assim como pelo aluguel do equipamento de cenário e de luz, necessários para a montagem do espetáculo. Coloco abaixo o PIX e o Instagram do grupo mamoeiro.

Serviço:

PIX:  CHIARALAZZAS

@grupomamoeiro

Author: silviaferlima

Professora de Português na Prefeitura de Campinas Mestre em Comunicação E Semiótica pela PUC/SP Doutora em Artes Visuais pela UNICAMP Escritora com os livros DIVERSÃO AO PÉ DA LETRA-poemas O LIVRO DA HIPNOSE OU ESTADOS DE CONSCIÊNCIA-contos Artista que faz principalmente gravuras e livros de artista

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com