Cavando Ideias • O Olho Mais Azul

Cavando Ideias • O Olho Mais Azul

Cavando Ideias • O Olho Mais Azul é resenha de Silvia Ferreira Lima em sua coluna semanal na Expedição CoMMúsica.

 

livro O Olho Mais Azul de Toni Morrison ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 1993.

Esta semana, seguindo as leituras antirracistas, eu me deliciei com a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, Toni Morrison, com o livro ‘O Olho Mais Azul’. O primeiro prêmio Nobel a ser ganho por uma mulher negra na história. E fico felicíssima por isso.

A norte-americana Chloe Ardelia Wofford nasceu em 18 de fevereiro de 1931 e faleceu em 05 de agosto de 2019 em Nova York. Foi escritora, editora e professora. Escreveu ‘O Olho Mais Azul em 1970, porém demorou vinte e três anos para ter reconhecimento. Além deste livro, também escreveu: Beloved, O olho mais azul, Song of Solomon, Sula, Paradise (The Trilogy, #3), Tar Baby, Jazz, A Mercy, God Help the Child, Home, Love, Playing in the Dark: Whiteness and the Literary Imagination, Desdemona, e livros, séries e filmes.

Quando lemos um livro, costumamos recomendar para leitura de alunos aqueles cujos narradores possuem o mesmo ponto de vista do leitor, como mesma faixa etária, o que acontece com a narradora de O Olho Mais Azul: uma menina. Às vezes, podemos recomendar um livro cujo narrador seja de mesma classe social, ou tenha que enfrentar os mesmos problemas. Porém. O Olho Mais Azul é extremamente denso, complexo em vários níveis. Com certeza, é escrito com o ponto de vista da mulher negra e’ a vida racista e miserável a que esta é submetida. Embora, mesmo entre as mulheres negras, possam existir diferenças, como o tom da cor da pele, a cor dos olhos, o tipo dos cabelos. E devido à miscigenação de raças, ou mesmo, devido à violência sexual da qual as mulheres negras têm sido vítimas há milhares de anos, há mais diferenças ainda. E se considerarmos que o mundo é dominado pelos homens brancos, pelos endinheirados. Então, sempre haverá diferenças no tratamento entre as pessoas que não ocupam este espaço, ou que ocupam.

Isso é o que Cláudia e Frieda, as duas irmãs negras, sofrem desde tenra infância. A violência sofrida pela mãe, principalmente, quando o pai sofre violência e volta para casa, descontando sua impotência e vergonha para cima da esposa. A violência e a vida miserável é o que atingem sempre de forma terrível, inaceitável. Sob o olhar de inocentes crianças, o inexplicado acaba virando o ritual. E as mais frágeis, sonhadoras, ou ignorantes são as que sempre sofrem mais.

O Olho Mais Azul é como Claudia vê uma boneca branca, loira, de olhos azuis. O que todos julgam padrão de beleza, para ela provocava indignação, raiva, desprezo e ódio. A boneca tão desejada por qualquer criança, só lhe despertava desejo de desmontar, arrancar pernas e braços, tirar a cabeça e apertar os olhos brilhantes.

 

“Não conseguia gostar dela. Mas podia examiná-la para ver o que era que todo mundo dizia que era adorável. Se eu quebrasse seus dedos minúsculos, dobrasse os pés chatos, soltasse o cabelo, girasse a cabeça, a coisa fazia um som _ um som que diziam que era um meigo e choroso ‘Mamãe”, mas que , para mim, soava como o balido de um cordeiro agonizando ou, mais precisamente, a porta da nossa geladeira abrindo com suas dobradiças enferrujadas em julho. Se eu lhe removesse o olho frio e estúpido, continuava balindo ‘Ahhhhh’; se arrancasse a cabeça, sacudisse a serragem para fora, rachassse as costas contra a grade de metal da cama, ela continuava balindo. As costas de gaze rachavam e eu via o disco com seis furos, o segredo do som. Uma mera coisa redonda de metal”.(p.30-31)

 

Neste trecho, a maneira como Claudia sente prazer destroçando a boneca, assim como a declarada vontade de fazer sentir dor a toda menina branca que encontrasse, já nos coloca na expectativa de que em algum momento ela seja capaz de torturar uma menina branca.

Além disso, logo ao iniciarmos a leitura, já sabemos o que acontecerá com Pecola, que convive com Frieda e Claudia, dormindo no meio delas e sendo protegida por elas, todas as vezes em que as irmãs conseguem protegê-la.

 

“Tínhamos jogado as sementes no nosso canteiro de terra negra exatamente como o pai de Pecola havia jogado as suas no canteiro de terra negra dele. Nossa inocência e nossa fé não foram mais produtivas do que a luxúria ou o desespero dele. O que está claro agora é que, de toda a nossa esperança, do medo, luxúria, amor e pesar, não resta nada além de Pecola e da terra improdutiva. Cholly Breedlove está morto; nossa inocência também. As sementes murcharam e morreram; o bebê dela também.” (p.16)

 

A narrativa não se faz de modo totalmente linear. Embora o livro seja dividido em estações. As descrições da autora nos inserem no ambiente de modo a nos colocar as imagens, os cheiros, as temperaturas, as cores. Ela é bem detalhista na descrição, inserindo-nos no meio ambiente e nas sensações das personagens na narrativa.

Eu poderia indicar a leitura para um adolescente, como também poderia avisar que é preciso ter consciência de como a miséria pode ser terrível. E como pode sofrer uma menina negra num mundo racista.

Tive também a sorte do meu exemplar possuir o prefácio de Djamila Ribeiro, que melhor do que ninguém possui o lugar de fala para defender os direitos da mulher negra. Djamila, afirma ter lido esta obra com cerca de vinte anos de idade e que o romance marcou sua vida, ajudando-a a seguir adiante e lutar até concluir seu curso universitário a fim de se colocar em defesa dos direitos da mulher negra.

Leitura imperdível! Eu aconselho!


Referências:

Morrison, Toni. O Olho Mais Azul. Cia das Letras, São Paulo, 2019, Edições Tag.

https://www.ebiografia.com/toni_morrison/

https://www.infoescola.com/biografias/toni-morrison/

https://www.ibnd.com.br/blog/quem-e-djamila-ribeiro.html

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