Tamanho Não é Documento • Porque ler contos
Tamanho Não é Documento • Porque ler contos é o artigo de estreia de Monique Bonomini em sua coluna semanal na Expedição CoMMúsica.
Monique Bonomini é natural de São Paulo, graduada em Direito e História e atua como revisora. Feminista em construção, usa sua página no Instagram para falar sobre experiências de leitura e de vida. É colunista do portal Olhar para dentro, participa do Coletivo Escreviventes de escritoras e no Medium publica crônicas intimistas. Tem textos em coletâneas e revistas literárias.
Seu objetivo em sua coluna ‘Tamanho Não é Documento’ é estimular a leitura de contos e expandir o alcance de textos curtos. E como ela mesma explica:
Minha ideia é falar sobre contos, num tom entre a resenha e a análise do texto, espero divulgar repertório e instigar as pessoas a lerem mais este gênero literário.
Nas redes é @moniquebonomini e sua produção pode ser encontrada em linktr.ee/moniquebonomini
Tamanho Não é Documento • Porque ler contos
Por: Monique Bonomini
Imagine um tempo sem tecnologia, um tempo sem luz elétrica, um tempo em que, entre o crepúsculo e o sono um grupo de seres humanos se reunia em volta de uma fogueira, se aquecendo, se mantendo à salvo de predadores e economizando energia para a próxima caçada ou caminhada em busca de alimento.
Neste tempo, algo se desenvolveu, uma das coisas que distingue a humanidade de outras espécies que habitam este mesmo planeta, nossa necessidade de contar histórias.
Talvez a fêmea tenha relatado o sucesso da coleta, árvores recém descobertas mais para aquele lado, estavam cheias de suculentas provisões, a paisagem era marcante com uma rocha no formato de bicho. Pelo caminho, viram uma cobra enorme se enrolando à um roedor, com cada vez mais voltas. Foi uma cena paralisante e bonita, a cobra com movimentos lentos, o rato com olhar duro, chamaram os pequenos para verem a cena e conhecerem o poder da cobra, deviam ter atenção ao caminharem sozinhos.
O macho, que a ouvia atento, lembrou-se então do companheiro picado enquanto estavam de tocaia nos arbustos, uma cobra cravou os dentes no seu tornozelo, a perna logo escureceu, o companheiro primeiro soltou um ganido de dor e então caiu paralisado no chão, dando pulos até que seus olhos ficaram sem vida, desde este dia passou a amarrar tiras de couro nos próprios tornozelos.
Ambos lamentaram o companheiro perdido, um bom companheiro, mas sua prole, apesar da falta, progredia. Ao se dar conta que estavam cansados para continuar contando coisas, adormeceram, esperando um novo dia e novos acontecimentos para contar.
Assim, a humanidade tem contado suas histórias, passando a inventá-las, criando enredos para transmitir lições importantes e para cultuar o que não pudesse ser explicado, como os fenômenos da natureza. Criou histórias para exaltar os feitos de seus ancestrais e para validar o poder de alguém do grupo. Foi também através das narrativas que formulamos o mundo à nossa volta.
Nem sempre essas histórias estiveram escritas, foram longas ou eram muito elaboradas, pois elas precisavam ser passadas adiante, memorizáveis, no entanto, com a invenção da escrita, a memória pode se ocupar de outras coisas enquanto o memorável ficava no registro para ser decifrado e as histórias começaram a crescer e ganhar novas funções, como entreter.
E por que contei toda essa história? Para dizer que há algo muito antigo dentro de nós que ainda nutre fascínio pelas breves histórias, uma espécie de memória do subconsciente que nos convida a ouvir uma narrativa curta como se estivéssemos em volta da fogueira, desvendando o mundo.
Atualmente, estas narrativas breves capazes de nos encantar estão enquadradas dentro de um gênero literário chamado conto. O conto tem um enredo curto, com recorte bem marcado de começo, meio e fim, e é um campo vastíssimo da literatura.
Apesar de a imagem do leitor ter se formado em nosso ideário como aquele que anda com um calhamaço sob o braço para cima e para baixo, isso não quer dizer que há uma prevalência das narrativas longas sobre as curtas. São estilos diferentes.
Nesta coluna, eu pretendo trazer exemplos destas narrativas, contos de diversos autores, de diversas nacionalidades e tempos, sobre diferentes assuntos, para mostrar como ainda é mágico ouvir uma breve história, não mais em volta da fogueira, mas ali na sala de espera do dentista, durante a viagem do metrô e, por que não, naquele momento mais íntimo e privado sentados num vaso esperando a fisiologia do corpo acontecer.
Para as pessoas que não leem romances porque ficam agastadas com a demora da história para desenrolar, para as que não leem longas narrativas porque não podem pensar em ficar carregando um livro para todo o lado, para as que não tem paciência de esperar a mocinha abrir os olhos para o canalha da história, contos são uma ótima fonte de leitura, e a ideia é que conhecendo o gênero mais pessoas se permitam ler e explorar os benefícios da literatura.
Como prova do que digo, encerro este texto de abertura com uma história pequenininha, um microconto, mostrando que a narrativa curta dá tanto o que pensar quanto um calhamaço, afinal tamanho não é documento:
“Fui me confessar ao mar. O que ele disse? Nada.”
Lygia Fagundes Telles