Cavando Ideias • A vida de Galileu no Teatro
Cavando Ideias • A vida de Galileu no Teatro é artigo de Silvia Ferreira Lima em sua coluna semanal na Expedição CoMMúsica.
Trata-se de um peça escrita por Bertold Brecht e maravilhosa! Com direção de Marcelo Lazzaratto, que inclusive escolheu as músicas que os atores cantaram em trechos da peça. Esplendidamente encenada, sua primeira apresentação foi no palco do Barracão do Instituto de Artes, cuja arquibancada é circular e remete muito ao teatro clássico. Inclusive, porque o enredo se passa no período clássico. Neste sentido, o figurino estava adequadíssimo.
A primeira apresentação do grupo de Artes Cênicas 019 foi na noite de terça-feira, 29 de dezembro. Fomos conferir na noite seguinte, dia 30 de dezembro, quando soubemos que já tinha ocorrido apresentações também às 16 horas no mesmo local. Então, apesar da arquibancada ser um tanto incipiente, enquanto a duração da peça tomou o tempo de duas horas, não sentimos o tempo passar, tal a encenação dos atores e a presença dos argumentos e suspenses da peça.
Claro que apesar da diferença de três séculos, os dilemas são muito contemporâneos, enquanto a disputa entre a verdade, seja por uma questão de poder, seja por questão de interesses, continua sobre a mesa. O personagem principal, Galileu, enfatiza o argumento de que o mais importante é a razão, portanto, não adianta se impor a ela. No entanto, em mundos complexos como os nossos. já percebemos e até teorizamos que cada ser humano aceita a razão que lhe interessa, por mais que possa parecer muito clara a outro ser humano. Daí, vale a pena brigar por isso?
Galileu foi obrigado a negar suas descobertas diante do povo e da igreja católica, não porque não mais acreditasse nela ou porque não mais tivesse provas para demonstrá-la, mas porque não lhe foi dada outra alternativa. Afinal, como tantos outros ele foi julgado, torturado, trouxe sofrimento a sua família e servos, na peça há apenas uma filha, que perde um casamento interessante porque Galileu não pode deixar suas pesquisas. Afinal, eles sobrevivem à peste e à inquisição, não sem sofrerem outros danos. De acordo com sua biografia, Galileu tem duas filhas, que se tornam freiras e um filho que se torna músico. Ele tem alguns alunos interessados que o seguem durante a vida e continuam pesquisando com ele.
Mas no final, tanto na vida de Galileu, como na peça, ele passa ao servo seus escritos, a fim de que este o leve para longe de Roma, para terras onde as pesquisas e a ciência sejam levadas a sério. Deste modo, seus escritos são inicialmente publicados nos países Baixos: Holanda, onde a Igreja não tinha domínio nesta época. Porém, apesar de italiano e católico, Galileu, condenado por heresia, devido aos seus estudos sobre astronomia, que concluía que a Terra girava ao redor do Sol e não o contrário, conforme a dita Sagrada Escritura, mesmo tendo sido protegido pelo Papa, acaba condenado e desvalorizado por séculos. Apenas no século XVII, seus restos mortais são exumados e colocados juntos com os de seus antepassados dentro da Basílica de Santa Cruz. Tendo passado séculos até que isso acontecesse, pois devido à acusação de heresia, ele fora sepultado no terreno ao redor da basílica.
Na peça de Brecht, Maria Celeste, sua filha que supostamente se casaria com um nobre; veste-se de branco para mostrar o futuro vestido de noiva e quando vai à sala para falar com o noivo, ele não está mais lá. O silêncio e a falta de qualquer atitude dos atores, deixa evidente o drama da filha. Na biografia de Galileu que pesquisamos, ele já imaginava que suas duas filhas não encontrariam bons pretendentes então as interna na Igreja, onde elas vão viver e morrer. Como Galileu nunca se casa, seus filhos são considerados ilegítimos: duas moças e um rapaz. Somente o último é reconhecido como filho, recebendo a herança de Galileu.
Na peça, Galileu muda de Florença, para Veneza e para Gênova. Em cada cidade-estado, Galileu precisa pedir a permissão do Dodge ou representante real da cidade. O mesmo ator interpreta a todos: um deles muito velho, que morre logo; outro muito jovem, uma criança de nove anos, que tem o interesse nas estrelas descobertas batizadas com seu nome. No entanto, há os instrutores e outros interessados em vetar as decisões do Dodge para o que quer que favorecesse a Galileu.
Tendo estudado Medicina inicialmente, Galileu foi matemático, físico, filósofo, astrônomo, engenheiro, contribuindo muito com cada uma destas áreas de conhecimento. Principalmente, foi uma grande cientista. Interessante o grupo de Artes Cênicas 019 colocar justamente a biografia de Galileu neste contexto político brasileiro em que se discute até mesmo o formato dos corpos celestes: esféricos ou planos. A razão, valorizada por Galileu e repetida inúmeras vezes na peça leva-nos a questionar que mesmo quando se tem provas de um fato, a crença ou não na sua realidade sempre depende do ponto de vista do observador, daí a teoria da relatividade, que mesmo Galileu observou.
No século XX, um dos maiores gênios das ciências na humanidade: Albert Einstein, reconheceu a importância de todo o trabalho de Galileu. Do mesmo modo o fazem todos os cientistas: matemáticos, físicos, astrônomos que continuam os estudos com o auxílio das contribuições de Galileu. Sim, a biografia é fascinante, assim como a ciência! Mesmo que esta não seja minha área de conhecimento mais estudada.
A maneira como foi colocada em cena foi impressionante. Vários atores se alternaram na representação de Galileu. Todos o fizeram perfeitamente. O mesmo ator fez os dodges velhos e criança. E também foi incrível! Os representantes da Igreja, arcebispos, Papas, e afins, todos foram impressionantes. Depois de assistirmos a duas horas de peça, sentimos vontade de conhecer mais a fundo a vida e as contribuições de Galileu. O que já é uma imensa contribuição social e cultural! Tudo foi muito bem encenado. Eu que já acompanho o grupo assistindo a suas peças a cada semestre identifico seu crescimento no que diz respeito à maturidade e crescimento de interpretação. Afinal, eles transmitem uma grande emoção e nos colocam no século XVII, diante dos dilemas do poder da Igreja e do que esta impede que o conhecimento humano seja aprofundado devido ao interesse pelo poder.
Infelizmente, toda grande mudança científica, social, tecnológica, acaba encontrando estes entraves. Minha pergunta é Quando Seremos Livres Para Sabermos O Que Realmente Nos Interessa? Assistam às novas apresentações da peça hoje, dia 03 de dezembro no Observatório da Unicamp (um lugar super condizente!!!). E no dia 09 de dezembro será apresentada na Sala dos Toninhos, Estação Cultura Campinas, às 20h. O grupo conseguiu montar com alguma ajuda da Proac, por isso na noite de 30 de novembro, receberam uma turma de alunos de EJA de Campinas, para assistir, mesmo no espaço incipiente do Barracão. Mas foi maravilhoso!!!!
Aconselho assistirem à peça A vida de Galileu, texto de Bertold Brecht e direção de Marcelo Lazzaratto. A trilha sonora também é formidável!
Referências:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Galileu_Galilei
https://brasilescola.uol.com.br/biografia/galileu-galilei.htm