Cavando Ideias – Minha vida de professora
Cavando Ideias – Minha vida de professora é artigo de Silvia Ferreira Lima em sua coluna semanal na Expedição CoMMúsica.
Há algum tempo que eu já deveria ter escrito sobre isso. Mas agora vou desabafar e começar escrevendo que dou aulas há 38 anos. Escrevo sem usar minha carteira de trabalho, que normalmente traria todos os registros mas prefiro não trazer, afinal, nem sempre me registraram como professora, principalmente quando dei aulas de Inglês, que não importava que eu tivesse diploma. Mas comecei em 1986, dando aulas para a antiga quarta-série, que atualmente seria o quinto ano. Fui trabalhar numa pequena escola em Goiânia, onde eu vivia com meus pais naquela época.
Professora de Fundamental I
Interessante observar que naquele tempo, a professora do Fundamental I não precisava estudar Pedagogia como aconteceu desde 1990 (?!), acho que foi isso. Então, enquanto eu estudava Letras na Universidade Católica de Goiás (mais adiante, detalho a história de por que eu estudava numa universidade para a qual não prestei vestibular, tendo passado na USP e na UnB, em Brasília). Bom, só vou começar a contar que adorei dar aulas. E dali acabei trabalhando na Escola Objetivo. Pedi uma carta de apresentação ao diretor de Goiânia e ele forneceu, sem qualquer dificuldade, a fim de que eu apresentasse para o diretor do Colégio Objetivo Junior em São Paulo. Então, em 1988, comecei a dar aulas para o Colégio Objetivo Vergueiro, que estava abrindo o Fundamental II naquela época. Trabalhei ao mesmo tempo em mais de uma escola, mas em 1992, eu entrei para fazer o Mestrado na PUC/SP, em Comunicação e Semiótica. E acabei trabalhando na Escola da Vila, em São Paulo.
De acordo com os dizeres de Paulo Freire, o Colégio Objetivo tinha uma educação bancária, ou muito conteudista e nada democrática ou construtivista. Já a Escola da Vila era fundamentalmente construtivista; logo, pude construir meu trabalho educativo na Escola da Vila. Aprendi muito lá, inclusive tomando conhecimento de muitas palestras e teorias educacionais como as da reforma educacional espanhola e cheguei a estudar e procurar aplicar o trabalho da professora argentina Ana Maria Kaufman, professora de Psicologia e Epistemologia Genética na Universidade de Buenos Aires, que em 1970 fez parte do grupo de Emília Ferreiro sobre alfabetização. Tenho até hoje o livro que Ana Maria escreveu com Maria Elena Rodriguez “La escuela y los textos“. Quando trabalhei na Escola da Vila, essas professoras faziam parte de minha leitura básica. Isso foi quando a escola pretendeu criar um Ensino Fundamental II na mesma linha. Bom, tenho muito orgulho do meu trabalho naquela época.
O amor pela Literatura
Mas a Literatura sempre bateu mais forte no meu coração. Assim, fui estudar Crítica Genética, como a teoria se chamava naquela época e que mais tarde passou para Estudos de Processos Criativos de escritores e artistas, cuja idealista foi Cecília Salles, como todos a conhecem: um doce de pessoa, quem me orientou com carinho para a dissertação sobre o Processo Criativo de Haroldo de Campos nas Galáxias, Este trabalho contou com mais de seis horas de entrevista com o autor, as quais eu transcrevi e o mesmo revisou, antes que eu pensassem em qualquer publicação. Defendi a dissertação em 1995, mas atualmente eu a disponibilizei na academia.edu, como Galáxias: o processo criativo de Haroldo de Campos. Caso seja do interesse dos leitores.
Alguns anos mais tarde, na verdade desde 1992, fui trabalhar como professora na Universidade Anhembi Morumbi. Trabalhei por 17 anos. Seria até o esperado que eu me aposentasse por lá, mas digamos que minha vida emocional, que de 1996 até 2012 foi terrível, acabou me afastando dos estudos e da Universidade. Mesmo que em 1996 eu tivesse entrado na ECA para estudar Comunicação e Educação; porém não consegui concluir. Acabei pedindo minha demissão na Anhembi Morumbi, trabalhei em algumas escolas não tão boas, caso contrário eu teria ficado. Finalmente, comecei a dar aulas de Inglês, o que me restou naquela época. Bem, com minha vida praticamente destruída, aguentei fortemente porque minha filha nasceu. E, só dez anos depois, passamos a ser felizes no ambiente familiar, o que até então tinha sido uma experiência sofrida.
O chamado da ARTE
Quando comecei a reerguer a cabeça, mudei-me para Campinas. Nova vida, nova cidade, novo relacionamento. Acabei até reencontrando pessoas que já tinham sido importantes para mim. Pensei em fazer Teoria Literária na Unicamp. Fiquei alguns meses lendo e pesquisando para escrever um projeto, que estava ótimo. Porém, no dia da prova de línguas tive hipoglicemia e precisei me retirar antes de finalizar. Resultado: acabei fazendo algumas disciplinas como aluna especial no IFCH e no IA. Assim, redescobri o que tinha marcado minha infância: as aulas de artes, cujos trabalhos eu acabava realizando com o apoio da minha mãe, que sempre comprava todo o material necessário, pois, nas palavras dela, “adorava trabalhos manuais”.
Relembrei das aulas de pintura, das aulas de desenho. Dos cadernos de desenho que fiz, até mesmo dos cadernos de desenho com poemas. Cheguei a ficar animada com a experiência de estudar arte. E realmente, foi a arte que me tirou da depressão, da tristeza e da frustração. Foi um remédio muito potente, aliás, é um remédio importantíssimo, porque a arte me fez retomar a experiência da escrita, que eu pensava que tivesse morrido. Ainda que meu amor pela escrita tenha me levado a estudar Letras.
Por estas e outras, acredito profundamente que a liberdade e a elaboração emocional que ocorre na produção de um trabalho artístico é um remédio maravilhoso para todos. Décadas mais tarde conheci pessoalmente Ana Maria Kaufmann, que depois de aposentada, em Campinas, passou a exercer atividades artísticas. E encontrei pessoas semelhantes, como a francesa Antiopy Lyroudias, que atualmente vive em Campinas, mas também é uma artista com belíssimos cadernos de viagem feitos em aquarela e sua exposição no Subsolo, ocorrida no ano anterior.
Antiopy Lyroudias tem autoria dos seguintes livros em Francês: Ouverture et dialogue, além do livro Etude sociologique,tematique e typologic de la collection: “Lettre ouverte”, 1966 a 1984.
Essas duas mulheres são exemplos de artistas que se dedicaram depois de terem seguido uma carreira intelectual diferenciada. Acredito que se conversarmos sobre isso, todas concordarão que a arte tem um papel fundamental na vida de cada uma.
Sou da opinião de que esta importância da arte não é apenas para algumas pessoas diferenciadas, mas a Arte exerce uma importância fundamental na vida de qualquer pessoa. Volto a citar a importância de O Livro Vermelho, que foi um diário de Karl Gustav Jung, no qual ele ilustrou à aquarela as imagens que de alguma forma marcaram sua vida, fazendo-o elaborar sua Psicologia Analítica a partir daí. Recomendo a todos visitarem uma livraria para folhear esta obra, não indico sua compra pois é bem cara, mas folheá-la já ajudará a entender como o papel da arte foi fundamental para Jung.
Só para aguçar a curiosidade do leitor, passo aqui os links que descobri sobre as obras comentadas. Concluindo, por enquanto, a arte tem um papel individual e ao mesmo tempo de criatividade e inclusão social para qualquer pessoa que se dedique a ela, na manifestação com a qual possam se identificar. A Arte em si já promoverá a autodescoberta do indivíduo.
Referências:
Sobre Antiopy Lyroudias:
https://openlibrary.org/works/OL19402054W/Ouverture_et_dialogue
https://openlibrary.org/works/OL4073588W/Etude_sociologique_the%CC%81matique_et_typologique_de_la_collection_Lettre_ouverte_1966_a%CC%80_1984
Sobre Ana Maria Kaufman:
https://novaescola.org.br/conteudo/933/entrevista-com-ana-maria-kaufman-sobre-alfabetizacao
http://ve.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0459-12832014000100006
Sobre Emília Ferreiro:
https://www.estantevirtual.com.br/livros/emilia-ferreiro
Sobre Jung:
https://amenteemaravilhosa.com.br/o-livro-vermelho-carl-jung/
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