Conta comigo! • Por Michele Fernandes

Conta comigo! • Por Michele Fernandes

Hoje é a estreia de Michele Machado Fernandes na Expedição CoMMúsica e sua coluna será semanal, todas as quintas-feiras, aqui no site. Estamos muito felizes por mais uma mulher integrar a equipe de colunistas e ainda mais pelas pautas trazidas. Conta comigo! • Por Michele Fernandes apresenta a escritora Josefina Álvares de Azevedo, tornando menos opaco seu legado literário.

A coluna Conta Comigo! tem por objetivo valorizar e incentivar a arte produzida por mulheres com foco na escrita feminina. Toda semana, você poderá ler sobre biografias de autoras brasileiras dos séculos XVIII, XIX e XX, normalmente fora dos cânones literários, entrevistas com autoras contemporâneas, reflexões sobre a importância da leitura de obras de autoria feminina e mais, sempre sobre a presença e as atividades artístico-literárias de mulheres.

Quem é Michele Fernandes

Michele Fernandes
Michele Fernandes

Michele Fernandes é uma escritora porto-alegrense, nascida em 06/06/79, casada, mãe de dois meninos, formada em Letras. Atualmente trabalha como editora do Site Contos de Samsara, além de elaborar resenhas, contos e poemas para vários blogs e portais da internet e auxiliar escritores com divulgação, revisão e leitura crítica de suas obras. É autora do livro de contos “Conta Comigo! – Três Vezes Mulher”.

Conta comigo! • Por Michele Fernandes

ELA, A ÁLVARES DE AZEVEDO

Michele Fernandes

 

Como escritora, as reflexões sobre escrita de autoria feminina me trazem cada vez mais identificação com outras autoras, ainda que estas tenham nascido décadas e até mesmo séculos antes de mim. Foi a partir das inquietações sobre o lugar da mulher enquanto escritora que eu comecei a tomar partido das vozes silenciadas no âmbito da literatura nacional.

Conta comigo! • Por Michele Fernandes
“Reprodução do retrato litografado de Josefina Álvares de Azevedo, feito por L. Amaral, publicado em A Família, Número Especial, 1889.”

As consequências desse passado estão, por exemplo, em média, no fato de oito a cada dez livros publicados no Brasil serem de autores homens (UNB – 2017), enquanto a maioria dos leitores são do gênero feminino. Estão também na quase ausência de escritoras nas aulas de literatura da escola. Enfim, estão na ideia distorcida de que o padrão masculino é que precisa ser seguido e que as mulheres produzem uma literatura menor.

São muitos os nomes de autoras que comprovam as injustiças do nosso legado literário e, por isso, eu comecei a me indagar sobre o que será que as mulheres falam que incomoda tanto os homens. Resolvi inspecionar isso a partir da leitura de obras de autoras esquecidas pelo cânone literário, começando pela peça “O Voto Feminino”, de Josefina Álvares de Azevedo (1877/1913).

Lendo a obra, posso afirmar que essa autora tem todo o perfil de uma mulher que causa medo aos homens no sentido de desafiar o patriarcado. Não é à toa que a sua obra não chega até nós se não fizermos o esforço de correr atrás. Talvez seja fácil de compreender se compararmos com a trajetória de seu irmão ou primo (algo a ser investigado), Manoel Antônio Álvares de Azevedo (1831/1852).

Vamos considerar que o sobrenome Álvares de Azevedo remete a dois escritores:  Manoel Antônio e Josefina. No entanto, ao lermos ou ouvirmos tal sobrenome nos ocorre à mente apenas um deles, o homem. Também é o homem que estudamos na escola; é do homem que provavelmente já lemos algumas (ou muitas) poesias; e, quando faço uma busca, por exemplo no Skoob, aparecem 229 ocorrências de obras com esse sobrenome, mas são apenas duas delas relacionadas à mulher.

Manoel Antônio gostava de falar de morte, de amor e de sofrimentos, sendo a sua obra enquadrada na segunda geração do romantismo, ou ultrarromantismo. Embora falecido com apenas vinte anos, obteve reconhecimento ao ser atribuído a ele o título de patrono da cadeira nº2 da Academia Brasileira de Letras. Além disso, sua poesia foi amplamente lida até a segunda década do século XX, sendo editada até hoje, assim como é objeto frequente de estudos acadêmicos.

Josefina criou o seu próprio jornal: “A Família”. Foi por meio dele que expôs suas ideias progressistas que abrangiam, primeiramente, a defesa do acesso à educação para as mulheres e, após a instauração do regime republicano, em 1889, fez dele um espaço de luta pelo voto feminino, dando voz ao levante sufragista.

Josefina transformou sua habilidade de escrita em uma forma de expor suas ideias por meio de discursos, poemas, contos ou teatro. Ela também concedeu espaço a outras mulheres escritoras de sua época por meio de seu jornal “A Família”, como Júlia Lopes de Almeida e Narcisa Amália, autoras que, como ela, pouco a pouco têm a sua história resgatada.

No entanto, Josefina não consta nos livros escolares, não há nem nunca houve nenhuma cadeira para ela na ABL e, na minha formação acadêmica, nunca vi o seu nome ser citado. Acredito no talento dos dois irmãos/primos e a única explicação que encontro para que a obra da escritora Álvares de Azevedo ficar de lado é o fato de ser mulher.

Ela fez o que o patriarcado mais teme: colocou em xeque a sua posição de poder ao levantar a questão do direito ao voto. Não cansou de dizer que as mulheres eram tão capazes e competentes quanto os homens.

Então, o que Josefina Álvares de Azevedo conta?

Em “O Voto Feminino”, peça teatral encenada em apresentação única no Teatro do Recreio, em 1890, e publicada em folhetim no jornal “A Família”, Josefina discorre de forma cômica sobre a expectativa da aprovação do direito do voto às mulheres. A dramaturga nos conta que, em sua época, as mulheres já estavam prontas e organizadas para assumirem postos inclusive políticos. Em paralelo a essa discussão, dá alfinetadas no comportamento misógino, aborda a emancipação feminina, enfatiza o papel das mulheres dando suporte aos homens na política e coteja a todo momento o preparo dos dois gêneros para o desempenho dos papéis sociais reservados (ou não) a cada um.

Se mulheres como Josefina não fossem silenciadas, seria possível que o voto feminino no Brasil tivesse sido liberado ainda no século XIX. Infelizmente, como se pode presumir e como convém às estruturas do poder patriarcal, esse direito só foi exercido em 1927 pela primeira vez no Estado do Rio Grande do Norte e, em 1932, em todo o país.

Mulheres incomodam quando se expressam e é justamente nesses momentos que a nossa voz se torna mais necessária.


Expedição CoMMúsica

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