Baixaria Sonora • Notas de um pai medroso
(Reflexões sobre a paternidade durante a pandemia)
Filho, espero que ao ler essa carta, tu não sinta vergonha do teu pai. Mas preciso compartilhar meus medos contigo:
“Durante toda minha vida eu bati no peito com orgulho e disse que as únicas coisas que me amedrontavam eram as cobras.
Na verdade, nem era medo. Era pavor.
Pânico.
A simples ideia de ter uma cobra entrando na minha casa me desesperava.
Ai veio o ano de 2018, me tornei pai e até isso foi ressignificado.
Porque depois que tu se tornou o protagonista da minha história, minhas preocupações e meus pavores passaram a ser outros.
Num primeiro momento, tive medo de não dar conta. Mas a presença da tua mãe tornou tudo mais fácil, mais leve.
Depois passei a temer pela tua saúde. Tão frágil, tão inocente e indefeso nesse mundo cruel.
Mas tu é forte. E em pouco tempo parei de levantar a noite e ir observar se tu estava respirando enquanto dormia. Até porque algum tempo depois, tu passou a se levantar e vir dormir conosco.
E respirar com o rosto colado ao meu.
E nesse momento eu tinha a sensação de que éramos invencíveis.
Mas não somos. E no final do ano passado tu foi internado com pneumonia.
Te ver ali, dormindo naquela cama hospitalar, tomando oxigênio e com o bracinho que eu tanto amo furado foi desesperador.
Tive medo, pavor de que demorássemos a voltar para casa. Medo de passarmos a virada do ano naquele hospital, entre agulhas, visitas noturnas e sopas de batata sem sal.
Mas mais uma vez tu fostes forte. Tivemos alta e passamos o natal em casa.
Ai chegou 2020.
E com ele a pandemia.
E o medo de viver num país sem presidente, sem ministro da saúde e sem um plano de combate eficaz ao vírus.
E entre uma notícia ruim e outra, surge o medo de ser contaminado.
E não poder ver as pequenas conquistas da tua vida, como a formatura, as boas notas, as primeiras viagens sozinho, as vitórias do teu time (que eu espero que seja o nosso time), teu primeiro amor.
Esse é o medo que me apavora.
O medo de estar ausente quando tu mais precisar de mim. Porque mesmo sendo forte, em algum momento tu vai precisar.
E eu tenho que estar firme e forte ao teu lado.
Nem que seja para abraçar-lo quando uma cobra aparecer.
Com amor, teu pai.”.
Baixaria Sonora • Notas de um pai medroso
Jean Paz escreve a coluna Baixaria Sonora todas as terças-feiras e em seu blog, também Baixaria Sonora