Conta Comigo: VOCÊ JÁ OUVIU FALAR DE UMA DESSAS ESCRITORAS?
Atualmente, o estudo de obras fora do cânone tem como objetivo o resgate de obras de importância histórica e de qualidade literária para que voltem a ser editadas e estudadas. Esse é o caso de autoras como Júlia Lopes de Almeida, que fez parte do grupo fundador da Academia Brasileira de Letras, mas teve, na última hora, o seu nome substituído pelo de seu marido. Também recentemente foi introduzido o nome de Maria Firmina dos Reis, primeira mulher a publicar um romance no Brasil e primeira escritora negra.
Mesmo sempre atuando na área da literatura, esses são dois nomes que descobri há poucos anos. Passei então a pesquisar mais e, aos poucos, foram surgindo muitas descobertas.
Organizei, nesse sentido, uma lista de autoras relevantes no âmbito da literatura nacional, mas que acabaram ficando fora do cânone.
Mas o que é um cânone literário?
Esse termo é usado para se referir a uma seleção de obras e autores considerados relevantes dentro de um recorte de tempo, de estilo ou de cultura. Essa seleção é importante, em primeiro lugar, para fins didáticos. É a partir do cânone que definimos, por exemplo, quem continuará sendo estudado nas aulas de literatura. Também é um guia para as editoras, que vão continuar publicando essas obras.
No entanto, o fato de haver um cânone significa escolher alguns em detrimento de outros e o fato de as escolhas serem feitas sob um ponto de vista patriarcal fez com que as mulheres fossem majoritariamente preteridas nessa lista, o que nos faz contestar que a sua ausência seja em virtude da baixa qualidade de suas obras.
A lista segue em ordem cronológica de nascimento da autora, no entanto alguns dados são imprecisos em função da falta de registros existentes. Refere-se a escritoras nascidas antes do século XX, todas no Brasil.
1 – RITA JOANA DE SOUSA: Pernambucana, foi poetisa, pintora, filósofa e historiadora. Os seus manuscritos desapareceram, mas o seu nome é citado na obra “Portugal Ilustrado Pelo Sexo Feminino” de Diogo Manuel Aires de Azevedo (1734). É uma candidata a ser a primeira escritora mulher do nosso país.
2 – TERESA MARGARIDA DA SILVA E ORTA (1711/1793): Nascida em SP, é considerada a primeira mulher a escrever ficção em língua portuguesa. Mudou-se para Lisboa ainda criança, onde publicou “Aventuras de Diófanes” (1752). Teresa foi mantida em cativeiro por sete anos acusada de mentir ao rei.
3 – ÂNGELA DO AMARAL RANGEL (1725/?): Foi uma poetisa carioca com deficiência visual, por essa razão era conhecida como “Ceguinha”. Provavelmente foi a primeira brasileira a ter os seus versos publicados e fez parte da Academia dos Seletos (1752).
4 – BÁRBARA HELIODORA (1759/1865): Foi uma poetisa mineira casada com o poeta Alvarenga Peixoto. O casal recebia em sua casa o grupo que formou a Inconfidência Mineira. Acredita-se que Bárbara Heliodora participasse ativamente dessas reuniões e, sendo assim, foi a primeira mulher ativista política no Brasil. Sua obra poética “Conselhos a meus Filhos” foi publicada juntamente com a obra do marido.
5 – BEATRIZ BRANDÃO (1779/1868): Autora mineira, poetisa e colaboradora de periódicos como “O Guanabara”.
6 – NÍSIA FLORESTA (1810/1885): Nascida no Rio Grande do Norte, é considerada a primeira feminista do Brasil ao fazer a tradução livre de “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens” (1832), com base no texto de Mary Wollstonecraft. É autora dos ensaios “Conselhos à Minha Filha” (1842) e do romance “Fany ou o Modelo das Donzelas” (1847).
7 – MARIA FIRMINA DOS REIS (1822/1917): Esta maranhense escreveu o primeiro romance publicado no Brasil por uma mulher – “Úrsula”. Também foi autora de contos e poemas, era professora e defendeu a escola pública e mista. Também se destaca por ter sido a primeira escritora abolicionista em língua portuguesa.
8 – MARIA RIBEIRO (1829/1880): Esta carioca firmou a tradição feminina no teatro, tendo escrito mais de vinte peças entre as quais se destaca “Gabriela”, aclamada pela crítica da época.
9 – LUÍSA AMÉLIA (1838/1898): Poetisa piauiense da vertente romântica, escreveu “Flores Incultas” (1875) e “Georgina e os Efeitos do Amor” (1893).
10 – JOSEFINA ÁLVARES DE AZEVEDO (1851/1913): Irmã ou prima do poeta Álvares de Azevedo, fundou o jornal “A Família” e nele publicou o folhetim “O Voto Feminino”, uma comédia que ressalta a sua visão sufragista. Você encontra um artigo sobre esta autora clicando aqui: https://commusica.com.br/2021/06/10/conta-comigo-por-michele-fernandes/ . Também pode baixar gratuitamente o e-book de “O Voto Feminino” produzido por mim para o projeto “O que as mulheres contam?” clicando aqui: https://contosdesamsara.com.br/lojinha/ols/products/xn-o-voto-feminino-de-josefina-lvares-de-azevedo-esc
11 – NARCISA AMÁLIA (1852/1924): Nascida no RJ, era poetisa e foi a primeira mulher brasileira a se profissionalizar como jornalista.
12 – MARIA BORMANN (1852/1895): Conhecida como Délia, foi uma escritora, jornalista e artista gaúcha. Publicou “Aurélia” (1883), “Uma Vítima” (1884), “Lésbia” (1890) e “Celeste” (1895). Os seus temas mais explorados eram a profissão e a satisfação dos desejos da mulher.
13 – CARMEM DOLORES (1852/1910): Esta carioca foi romancista, contista, cronista, crítica literária, conferencista e jornalista. Publicou “Uma Dama na Roça” (1907) e “A Luta” (1911).
14 – IGNEZ SABINO (1853/1911): Nasceu na Bahia e foi poetisa, contista, romancista, memorialista e biógrafa. Seu trabalho mais comentado é “Mulheres Ilustres do Brasil” (1899), que traz biografias de brasileiras que exerciam diferentes profissões.
15 – EMÍLIA DE FREITAS (1855/1908): Nasceu no Ceará, era abolicionista e autora de “A Rainha do Ignoto” (1899), o primeiro romance fantástico do Brasil.
16 – AMÉLIA BEVILACQUA (1860/1946): Autora piauiense, foi pioneira na luta dos direitos das mulheres. Publicou vários romances e contos e ainda teve a ousadia de se candidatar a uma vaga na ABL.
17 – JÚLIA LOPES DE ALMEIDA (1862/1934): Nascida no RJ, foi autora de livros infantis, contos e vários romances, entre os quais “A Falência”, de maior destaque. Participou das primeiras reuniões da ABL em sua formação, mas não obteve uma vaga porque a Academia optou por não aceitar mulheres.
18 – AMÉLIA DE OLIVEIRA (1868/1945): A poetisa nascida no RJ foi irmã do poeta Alberto de Oliveira e noiva de Olavo Bilac. Seus poemas foram organizados e publicados postumamente.
19 – FRANCISCA JÚLIA (1871/1920): Poetisa da vertente parnasiana, ao publicar o seu poema “Musa impassível” conseguiu se destacar entre os poetas Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira que acreditaram ter sido escrito por um dos parceiros com uso de um pseudônimo feminino apenas como “brincadeira”.
Você já tinha ouvido falar dessas autoras antes?
Para finalizar, deixo aqui como reflexão as palavras de Conceição Evaristo:
“Já passou da hora de reescrever a história da literatura brasileira, da intelectualidade brasileira, afirmando nomes que ficaram de fora.”