Trans Horizontal #9
Não divinize o Estado
A influência Cristã no dia a dia do brasileiro transforma o campo político em algo intrinsecamente ligado à religião, algo que está totalmente errado, pois estamos em um estado laico, mas ao contrário dessa realidade constitucional, caminhamos para a divinização do Estado e transformamos os líderes políticos em figuras imaculadas. Que ridículo!
Encontro-me envolto de um otimismo ignorante. Pessoas acreditando na melhoria da situação do país, usando da fé religiosa como muleta para seguir lutando. Mas, ao mesmo tempo, não as julgo por isso, na verdade, é tudo o que elas têm, a fé de uma mudança pra melhor. Contudo, vejo as pessoas desejando que as coisas mudem, mas sem coragem pra tomar decisões simples da vida pública, como votar em candidatos favoráveis ao povo, participar de reuniões da câmara municipal etc. Isso, obviamente, não acontece por falta de tempo pra pensar nessas coisas, mas em sua maioria por não enxergarem a real necessidade da mudança de postura, pois, a pregação religiosa em geral, e aqui eu não excluo nenhuma religião praticada pela massa brasileira, não lhes permite vislumbrar essa carência em que se encontram enquanto fiéis da palavra de Deus. Quisera eu que as pessoas se arrumassem para participar da construção social ao invés de se perfumarem para ir à missa. Até aí o egoísmo impera, a preocupação é individualista. O brasileiro não aprendeu a separar a vida pública da privada. Não nos incentivam desde crianças a entender e a se manifestar diante das adversidades sociais com as quais nos deparamos ao longo da vida. Aprendemos a lidar com a situação “na marra”, de última hora, por pura necessidade. Raramente o brasileiro está apto ou preparado para as mazelas sociais.
Sequer entendem a mensagem de Jesus, seria pedir demais que entendessem de direitos e deveres públicos, algo que é disseminado em uma linguagem distante da realidade intelectual da maioria da população, ou seja, não há esforço para ensinar valores reais estabelecidos por lei. Fica por conta dos líderes religiosos a manutenção da visão de mundo das pessoas em geral que frequentam cultos, igrejas e afins. Com isso, a alienação se reinventa e se desdobra em infinitas desculpas esfarrapadas para “engambelar” os fiéis. A própria bíblia é deturpada em nome da “sagrada divindade” que não pode ser desrespeitada.
Jesus, o anarquista, ao meu ver, não fez “milagres mágicos”, digamos assim, como quem tem poderes sobrenaturais, apesar de ser isto o que está escrito lá pelos apóstolos. Eu costumo dizer por aí que Jesus, não só curou o cego, mas fez o povo enxergar a verdade. Ele não só curou o aleijado, mas fez o povo caminhar unido. Ele não só ressuscitou Lázaro, mas fez o povo viver novamente. Enfim, Jesus reuniu os excluídos e marginalizados em prol da luta contra a desigualdade. Parece pregação da minha parte, certo? Mas o que escrevo aqui é o anarquismo, assim como o fez Jesus. Por esse motivo, me considero mais cristão do que qualquer religioso. Aliás, a prática religiosa me incomoda demais. Jesus não foi morto à toa. Era um revolucionário. Um cara muito esperto. Independente se ele existiu ou não, representa até hoje a esperança de dias melhores para aqueles que anseiam por justiça e igualdade. Os pobres, abandonados e injustiçados, infelizmente são enganados pela ganância da burguesia e das lideranças religiosas. Eu abomino quem usa a técnica de persuasão para “salvar” as pessoas ao trazê-las para dentro da religião, qualquer que seja ela. Existem profissionais da área da psicologia aptos a atender a população, seja lá qual for o problema pelos quais as pessoas estejam passando, a religião não é a solução. Os políticos enchem a boca pra falar de Deus e da fé que eles têm. O povo deveria saber enxergar a falsidade contida nesse discurso vazio e eleitoreiro. Enfim, esse texto que escrevo é mais um desabafo do que tudo.
Seguem agora, reflexões anarquistas acerca do livro “Anarquia Cristã”, de Vernard Eller. Palavras de um cristão, líder religioso e pacifista que busco entender, assim como me esforço pra entender a realidade dos povos colonizados e seus vínculos religiosos, e com isso, espero descobrir como nos livrar de uma vez por todas dessa “herança sagrada” que nos humilha e nos explora há séculos, sem faltar com o respeito aos cidadãos e seus costumes religiosos. Vejam:
“Então os fariseus saíram e começaram a planejar um meio de enredá-lo em suas próprias palavras.
Enviaram-lhe seus discípulos juntamente com os herodianos que lhe disseram: “Mestre, sabemos que és íntegro e que ensinas o caminho de Deus conforme a verdade. Tu não te deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes à aparência dos homens. Dize-nos, pois: Qual é a tua opinião? É certo pagar imposto a César ou não? ”
Mas Jesus, percebendo a má intenção deles, perguntou: “Hipócritas! Por que vocês estão me pondo à prova?
Mostrem-me a moeda usada para pagar o imposto”. Eles lhe mostraram um denário,
e ele lhes perguntou: “De quem é esta imagem e esta inscrição? ”
“De César”, responderam eles. E ele lhes disse: “Então, dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Ao ouvirem isso, eles ficaram admirados; e, deixando-o, retiraram-se.” Mateus 22:15-22
Agora, acerca dessa passagem, reflete-se:
“Já vi muitos usarem textos bíblicos como este: “dê a César o que é de César”, para justificarem a exploração do Estado sobre a sociedade. É irônico isso, pois se tornou um chavão, e as pessoas não analisam mais nem o contexto em que ele disse isso. Onde os fariseus se juntaram com os herodianos para encontrar algo em Jesus que o incriminassem.
Essa confusão com a alegação de Cristo e o uso dela como apoio ao governo se trata de séculos onde o vínculo da igreja com o Estado fez com que este sistema usasse deste conceito para deixar as pessoas conformadas em relação a situação da coerção, justificando atos irresponsáveis e cobrança de taxas.
Mas basta apenas uma pequena análise no texto e se compreende o quão infundada é esta tese conformista, pois Jesus estava respondendo a acusadores que o estavam questionando para que conseguissem algo para acusá-lo.
A pergunta, como muitas feitas a Jesus, era uma cilada, se Jesus se declarasse contra os impostos, era preso, mas se ele se declarasse a favor, seria rejeitado pelos judeus que se sentiam explorados por Roma.” (Trecho tirados do site anarquista.net)
Por fim, a luta é demasiadamente complicada. Devemos fazer diariamente nossa parte em desconstruir velho conceitos sociais para que possamos vislumbrar um mundo melhor, com mais amor, igualdade e fraternidade.
Texto de Gabriel Lelis em sua coluna Trans Horizontal.