Para que serve a escola

Para que serve a escola

Os professores foram alunos

Penso que todos que acabam se tornando professores, de alguma maneira, foram muito marcados pela escola. Marcados não apenas com punições, como meu avô contava, que o fizeram ajoelhar no milho, no início do século XX, porque ele era canhoto. Até que conseguiu escrever com a mão direita. Pois é, este tipo de punição já foi comum. E com que espanto os canhotos eram vistos! Muitos devem ter sido queimados ou sacrificados pela igreja, que associava o canhoto ao diabo. O mais incrível é que  a igreja que criou a figura do diabo ou, pelo menos, sua representação para os homens.

O gauche ou canhoto
“Quando nasci um anjo torto

Desses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Poema das Sete Faces. In Alguma Poesia, 1930)

 

E a partir desta imagem milhares de crianças sofreram de discriminação, uma vez que seu lado dominante era o esquerdo. Sei bem disso, porque sessenta anos depois do meu avô, eu também tive dificuldades em aprender a escrever, a pegar o lápis. Porém minha sorte foi ter estudado numa escola montessoriana, que dava à criança o tempo e a liberdade para aprender. Logo, aprendi a escrever com a mão esquerda. Não fiquei ajoelhada no milho, nem sofri punições, embora durante a infância, minha mãe sempre me forçasse a pegar as coisas do lado direito, a calçar primeiro o sapato do pé direito etc. Quando minha filha destra nasceu, eu sempre a calçava, vestia e entregava os objetos com minhas mãos esquerdas. Hoje ela repete meus gestos. Ou seja, aprendemos mais fácil o que nos toca o coração.

Lembro que quando cheguei ao Ensino Médio, ou colegial, como chamavam na época, descobri que existiam carteiras para canhotos e descobri uma dezena de canhotos na minha sala. Espantoso! Mas creio que o número de pessoas canhotas, uma vez que não foram mais sacrificadas e que o ambiente escolar, as tesouras e os estiletes, passaram a ser confeccionados para proporcionar mais conforto para os canhotos; estes passaram a se multiplicar e hoje existem muito mais canhotos do que já existiu antes. Logo, ser canhoto não é mais uma característica de exclusão, assim como existe lugar para disléxicos, alunos com TDAH, deficientes visuais, deficientes auditivos, autistas e outros alunos com quaisquer deficiências intelectuais.

 

Todos são diferentes

É fato que estes avanços ocorreram a partir da década de noventa, século XX, ou seja, um século mais tarde. Entretanto, as escolas foram se ajustando, mudando, de forma a promover para esses alunos as mesmas oportunidades de frequentar a escola, fazer amigos, socializar, aprender as normas de boa convivência humana. Conheço professoras que exercem esta função de auxiliar a estes alunos com deficiências intelectuais a aprender a ler e escrever, a aprender as quatro operações básicas. Na pequena escola municipal em que trabalho, há pelo menos duas destas professoras especializadas em auxiliar alunos com deficiências intelectuais. E numa das reuniões municipais de que participei, descobri que há uma escola especializada em ensinar os alunos que possuem deficiências mais sérias, para as quais os pais os inscrevem e eles passam a ter até condução para esta escola.

Assim como as pessoas canhotas passaram a ser mais comuns, sem quase chamarem atenção de colegas ou professores. Todos começaram a conviver com crianças e adolescentes das mais diversas características. O que nos levou a pensar que não existe um padrão. Todos são diferentes de alguma forma. O que possuímos de igual é a nossa diversidade. Os seres humanos são múltiplos como todos os seres neste mundo. E são todos maravilhosos! Há espaço para todos quando nos ajudamos e nos respeitamos. Ou ainda, quando estamos prontos a aprender com os outros. Tornamo-nos mais sábios e melhores seres humanos.

Para que serve a escola

Para que serve a escola? Para auxiliar neste processo de aprendizagem e de socialização. Para ensinar as diferenças, o respeito, o carinho; para ajudar na socialização das crianças e adolescentes. Para ajudá-los a se preparar para um mundo de descobertas. Para torná-los cidadãos conscienciosos e úteis à sociedade. Mas acima de tudo, fornecer-lhes a possibilidade de serem felizes.

 

Na figura há a xilogravura do pâncreas com a criação de um ideograma, que representa a transformação das pessoas depois que aprendem
Transformação. uma da xilogravuras da série Olhares para Dentro e para Fora, tamanho 62x82cm, magenta e sépia sobre papel alta alvura 220g, 2018, Campinas SP, SFlima

Para mudar o destino

“Quando nasci veio um anjo safado

O chato do querubim

E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim”

 (…)

https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45110/

(Chico Buarque Até o fim LP lançado em 1978.)

Aquele meu aluno do nono ano que voltou às aulas presenciais dizendo que não sabia porque ia para a escola. Bem, várias coisas aconteceram com ele: apaixonou-se por uma aluna do sétimo ano e ficam sentados juntos em todos os momentos em que podem se encontrar. Sinceramente, gosto de ver os dois juntos, porque são bem jovens e sei que estão experimentando uma das coisas mais importantes da vida, a convivência. Detalhe: eles não ficam se agarrando, nem dizem que estão ficando, levam seu relacionamento à sério. Afinal de contas, não importa se é o primeiro ou primeira namorada, é sempre sério. O que nós professores e adultos podemos fazer e fazemos é chamá-los à realidade: eles precisam estudar, porque somente o estudo pode lhes oferecer a oportunidade de conseguirem um emprego decente.

Somado a esta realidade, quero acrescentar o que soube ultimamente: um pedreiro, irmão da moça que faz faxina em casa, caiu da construção e quebrou a coluna ao meio. Ele está desenganado e a família sofre com isso. Sua melhor possibilidade é ficar paraplégico ou morrer. Aí surgem dois problemas: difícil ser pedreiro sendo paraplégico; é triste a morte de quem amamos. Pobres familiares!

Contei isso para o meu aluno. E antes que ele surgisse com o papo de vender drogas, eu também o alertei para o fato de que um garoto traficante não tem boa estimativa de vida. Morre jovem nas mãos da polícia ou nas mãos daqueles que são seus melhores amigos, justamente devido ao dinheiro e poder. Terminando, não é este meu desejo, como professora de um rapaz de bom coração, que apenas não despertou para suas responsabilidades, não digo de cuidar dos irmãos, mas de trabalhar e conseguir sustentar a ele mesmo e a sua família e como a escola pode ajudá-lo nisso. Pelo menos, é o que nós professores procuramos fazer todos os dias, cumprindo nosso dever.

Por tudo o que acabei de escrever, a escola já melhorou muito. Já faz bastante pelos alunos, porém não consegue fazer tudo. Sempre existe o desejo e a escolha de nossos alunos e de suas famílias. Nós, educadores, precisamos nos ajustar com certeza! Mas de que forma? Como deve ser a escola adequada para os alunos que acabaram de sair da exclusão social? Como deve ser adequada a escola para a formação do cidadão da década de trinta? Sim, a escola precisa pensar e se planejar para a formação do futuro.

E continua…

Sugestões de leitura: Método Montessori na Educação dos Filhos. Editora Manole.

https://www.infoescola.com/pedagogia/metodo-montessoriano/

Para que serve a escola é o artigo de Silvia Ferreira Lima em sua coluna Cavando Ideias sobre o papel da escola na vida dos alunos.

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