Cavando ideias • Final da exposição Terra Rasgada

Cavando ideias • Final da exposição Terra Rasgada

Cavando ideias • Final da exposição Terra Rasgada é resenha de Silvia Ferreira Lima em sua coluna semanal.

 

Dia 27 de agosto, às 11 horas, ocorreu no Espaço Marco do Valle _ CEI Campinas, uma conversa entre os artistas Dani Shirozono, Jeff Barbato, Lucas Souza e Marília Scarabello e um professor de Pós-Graduação em Artes Visuais e Metodologia de Pesquisa na Unicamp, Edson Pfutzenreuter, sobre o Processo Criativo dos Artistas, na exposição Terra Rasgada.

Quero começar pelo título muito sugestivo, assim como pela provocação dada pelo curador da exposição Allan Yzumizawa, também ex-aluno da Unicamp. Assim como a Dani e a Marília, de graduação e/ou de pós-graduação. Logo, alguns já se conheciam do ambiente da cidade, embora, a exposição inicialmente tenha sido pensada no contexto da cidade de Sorocaba, onde vive o curador. Sua provocação foi a história de Sorocaba, pensada inicialmente como uma trilha de índios que partiam do litoral e seguiam até o Peru, com sua mitologia específica. Tudo isso levou à leitura de um artigo de Villém Flusser, cujo trabalho questionava a cultura e a transformação do espaço, por que não dizer a destruição do espaço? Daí o título da exposição Terra Rasgada, cujo trabalho fotográfico de instalação realizado por Marília, a última obra colocada no espaço, já resume a provocação do curador, como o espaço, o nosso espaço histórico, que possui sequências de destruição, dor, massacre, trabalhos forçados de diferentes povos que habitaram ou habitam a região do estado de São Paulo. E por que não dizer, extrapolam os limites fronteiriços. 

Adorei o momento final de conversa com os artistas e o curador sobre o processo de criação, porque pudemos discutir muitas coisas importantes. Para isso também cito a importância do trabalho do educativo, que antes de interagir com os visitantes da exposição e sugerir que fizessem um trabalho, ou adicionassem palavras a um varal, em que ficaram pendurados desenhos e escritas de crianças que visitaram a exposição, também apresentava as propostas dos artistas. Sua interação foi fundamental, uma vez que mesmo no que escreveram ou desenharam as propostas da exposição estavam presentes. Também conversamos sobre a importância de seu trabalho e toda sua preparação na conclusão da exposição.

Ouvi dos artistas que o Espaço Marco do Valle tem uma história anterior bem interessante e possui uma energia de acolhimento e diálogo com todas as exposições que se colocam no espaço. Isso ficou bem evidente quando pensamos no trabalho de Jeff Barbato, à direita da entrada, com uma instalação que parece dialogar com as paredes do espaço. O que podemos observar no seu trabalho Raio Rio, abaixo. Na sequência, está a fotografia da instalação de Marília, que provocou o questionamento de como a arquitetura das cidades é violenta, com cercas, grades, ameaças aos passantes. Eis a razão de as crianças escreverem Cerol entre as palavras do que lhes destacou na exposição. Foi a última obra exposta,  a que deixou evidente o título de Terra Rasgada para a exposição, uma vez que a instalação é formada por uma sequência de fotografias de pessoas cortadas que, segundo a artista, foi para sugerir a dor pelo corte no corpo das pessoas.

 

De corpo falam Lucas Souza com suas esculturas de barro sem queima e Dani Shirozono. Lucas demonstrou-se preocupado em juntar limalhas de ferro ou metais que durante séculos foram extraídos do solo brasileiro, cujos exploradores seguiam inicialmente trajetos criados pelos indígenas, naturalmente porque eram regiões pluviais, irrigadas, que poderiam seguir por quilômetros e quilômetros sem falta de água. A instalação ‘Não há Ouro Aqui’, de Lucas Souza, tinha a intenção de demonstrar o quanto a terra foi aberta, explorada, desgastada e quantos indígenas, negros escravizados e brancos trabalhadores morreram em busca do ouro que não existia. A mesma preocupação tomou Dani com seu lindo trabalho ‘Paisagem Forjada’, em que espalhou pó de ferro em cima de duas mesas. Dani comentou sua preocupação com seus antecedentes da região de Minas Gerais, que tiveram a paisagem marcada pela exploração em busca de minérios de ferro.

 

 

Allan Yzumizawa foi convidado pelos quatro artistas para ser curador de uma exposição que ocorreria em Sorocaba, onde Allan vive. Porém, apareceu o Espaço Marco do Valle, que nos dizeres de Allan, acabou ajudando na exposição do grupo. Para o curador, o mais difícil é sempre conciliar a política do espaço expositivo com os projetos artísticos do curador e dos artistas. As propostas são sempre discutidas em grupo e, neste caso, serviu muito bem pensar na história do Brasil, com os caminhos percorridos pelos Bandeirantes e suas descobertas. Daí, conciliarem a leitura do primeiro capítulo do livro ‘Natural: mente’, de Villém Flusser, que observa a história europeia, bem como os caminhos percorridos pelos homens e animais primitivos, o formato das estradas até a modificação do que elas vieram a ser. Flusser sugere que a obra cultural acabou sendo influenciada por um caminho natural anterior, fosse a emigração de manadas de animais primitivos, fosse a migração dos indígenas de uma região a outra. Seguir esses caminhos ancestrais acabou influenciando toda a cultura posterior. Trouxesse esta cultura a valorização de um pedaço de terra em detrimento de outro pedaço ora o despedaçamento, ou o rasgo no corpo humano, que foi sendo arregaçado como o rasgo desta terra.

Os artistas, o curador, o espaço, o pedagógico e todas as ações culturais realizadas durante esta exposição foram muito significativas, pois revelaram o que deve ser destacado:  o que estamos fazendo com a terra? É o melhor que podemos fazer para as comunidades de seres humanos, ou ainda, de outros seres que vivem nesta terra? Questão vital e exposição maravilhosa! Assunto para infindáveis reflexões. Listo a seguir os contatos dos artistas, caso alguém tenha mais interesse em seus trabalhos ou nos assuntos aqui discutidos. E também indico a referência onde pode ser encontrado o interessante livro de Villem Flusser.

Referências:

ALLAN YZUMIZAWA https://www.instagram.com/allanyzumi/

DANI SHIROZONO https://www.instagram.com/danishirozono/

FLUSSER, Villém. https://www.estantevirtual.com.br/livros/vilem-flusser/naturalmente-varios-acessos-ao-significado-de-natureza/2200151422

JEFF BARBATO https://jeffbarbato.com.br/

LUCAS SOUZA www.lucassouza.art

MARILIA SCARABELLO https://www.mariliascarabello.com.br/

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