Cavando ideias • O pássaro secreto
Cavando ideias • O pássaro secreto é a resenha de livro desta semana na coluna de Silvia Ferreira Lima e, além de apresentar o excelente livro da paraibana Marilia Arnaud, relembra uma questão que atualmente desperta em um número muito maior de famílias: o suicídio.
Meu artigo desta semana é a resenha deste livro de 270 páginas da escritora paraibana, premiada em 2021, cujo enredo é de tirar o fôlego. Aglaia Negromonte, a protagonista, filha mais velha de três filhos, pai ator extremamente egocêntrico e intelectual. Mãe, professora universitária especialista em literatura, mantém com o marido um amor em comum: os livros. No entanto, o centro desta família é o pai, que dificilmente abre a porta de seu escritório para dividir as responsabilidades da casa ou dos filhos. A mãe fica sempre esgotada e nervosa.
Desde o início, Aglaia menciona alguns momentos de carinho e amor maternos em sua vida: na infância, antes de seu irmão Heitor e sua irmã Eufrosine nascerem logo em seguida. A partir daí, ela foi largada sozinha, embora sempre fosse genial para ler e entender os romances e obras que o pai sugeria. E que ela aceitava e rapidamente digeria, como um dos poucos momentos de atenção que o pai lhe dirigisse. A mãe sempre dava conta de tudo, porque quando reclamava um pouco de atenção do marido, podia contar que ele reclamaria, ou sairia de casa. O que ocorreu a ponto dele passar a dormir no próprio escritório.
Aglaia, uma menina sensível e imaginativa, adorava as leituras e contava histórias, mas se comportava pessimamente na escola. Não respeitava aos professores e não tinha amigos. Além disso, como adorava comer as delícias que sua mãe cozinhava, também sofria de sobrepeso e discriminação. Desde então, começou a desenvolver um ódio e uma violência, que só vai aumentando com o passar do tempo, ao passo em que a Coisa, esta força estranha, indistinguível e incontrolável, crescia dentro dela. Este é o pássaro guardado por Aglaia.
Seus únicos momentos de carinho ocorrem ao lado da avó, mãe do seu pai, Sarita, moradora do campo, que esporadicamente a família visitava. E seu melhor amigo, o primo Demian, com quem Aglaia caminhava pela areia da praia, andava pelo caminho até a escola, ia ao cinema. estudava, e tinha longas conversas. Enquanto sua família o achava um “nerd” com roupas estranhas.
Aglaia vive angustiada, mas o pior começa a explodir quando sente que o pai traíra a família toda tendo uma filha, Thalie, fora do casamento, com uma atriz francesa que morre. A menina passa a viver com eles e dividir o quarto com Aglaia e Eufrosine. Todos estranham, mas ninguém se opõe, nem mesmo sua mãe, que no máximo trata bem a “enteada” aceitando-a normalmente como filha do marido. Heitor e Eufrosine têm um estranhamento inicial, porém acabam aceitando e fazendo amizade com a francesinha, que se muda com um cachorrinho. A mãe nunca antes admitira que eles tivessem cachorro. Então, Aglaia, um dia, leva o cachorro para passear e o solta na rua, como se o perdesse.
Demian conhece Thalie e se apaixona por ela, ao que é correspondido. Aglaia corta os cabelos de Thalie enquanto esta dormia. E a avó Sarita, diz que Thalie parecia uma pequena santa e lhe dá de presente o cavalo de que mais gostava. Então, Aglaia mata o cavalo envenenado com uma mistura de açúcar e veneno para ratos. Este último episódio acaba por destiná-la a um sanatório. Lá, Aglaia passa meses, talvez anos, internada. Até que começa a fazer amizade com o jardineiro do sanatório e a cuidar das flores. Logo, seu psiquiatra lhe manda de volta para casa.
Mas o longo tratamento com psicotrópicos deixa Aglaia lenta, com dificuldade de raciocínio e quase sem reflexos. Ela nem lia mais como antes, afinal, uma das proibições do hospício era a leitura. Aglaia vai nos descrevendo as angústias e sua morte de sentimentos, quando vê Demian e Thalie se amarem no campo. Ela foge e volta sem reações. E não reage a mais nada, nunca mais.
Até o dia em que faz amizade com um garoto de rua, dá-lhe dinheiro e chocolate e este lhe pergunta se pode fazer alguma coisa por ela. Aglaia lhe responde. Mas nós só descobrimos no final do livro como se liberta seu pássaro secreto.
A leitura deste romance me deixou angustiada, porque entendi perfeitamente todos os sentimentos da protagonista, ainda que eu pudesse reagir de modo diverso. E pensei inclusive como durante e após estes anos de pandemia, todos desenvolvemos, ou ainda, descobrimos dentro de nós fragilidades sentimentais, crenças limitantes com as quais fomos criados e que viraram pontos de fuga ou de explosão de nossos sentimentos e frustrações. O que somos? O que queremos? O que fazemos de nossas vidas?
O mais chocante é que Aglaia é uma adolescente, com cerca de dezesseis anos, que justamente no seu momento de autodescoberta e desenvolvimento tem que enfrentar tantas frustrações na sua vida. E o pior é que as maiores dores estão dentro de casa, na família. Ao final, quem a conhece de verdade? Quem lhe dá chance de desabafar e de conversar, de trocar ideias?
Estas e outras questões me fizeram pensar no lema do suicídio do mês de setembro, justamente, devido ao grande número de jovens que têm se suicidado ultimamente, devido ao problema da fome, da angústia, da incompreensão. Seriam os pais os primeiros responsáveis a manter um bom diálogo com os filhos? Com todos os problemas e responsabilidades que eles têm em alimentar a família nesta situação econômica difícil encontrada no país?
Na minha opinião, os pais são responsáveis, mas a sociedade também. Afinal, o que ela tem feito para ajudar estes jovens que só precisam de apoio, atenção, autoconfiança. Com certeza, esta deve ser uma das prioridades da escola. Estes assuntos sérios precisam ser muito bem pensados.
Livro maravilhoso! Recomendo a leitura.