Cavando Ideias • Rolando parte 2
Cavando Ideias • Rolando parte 2 integra uma sequência de quatro artigos da coluna de Silvia Ferreira Lima. Apresentamos a parte 2:
Continuando a história de ficção anterior. A protagonista, que utilizo por mim, ou seja, sou a protagonista e a narradora. Mas acho que vocês já descobriram isso. Bom, a protagonista da história anterior passou séculos de culpa, raiva, dor, tristeza até que lhe foi oferecida uma nova oportunidade de voltar a viver.
Detalhes, entre uma vida e outra, eu estava presa às energias do planeta, sob as regras de um grupo que tomara posse de Gaia e organizava o ambiente no qual nós, seres extraterrenos, vivíamos, presos na teia, sem termos como voltar ao nossa planeta de origem. Nós nos encontrávamos e nos consolávamos, mas tínhamos a forma humana. Embora conservássemos nosso brilho a ponto de nos identificarmos, não éramos mais os mesmos.
Fiquei feliz com nova oportunidade e passei a viver noutro lugar. Acho que na França, pois lembro de mim estudando e falando francês. Confesso que sempre fui rebelde, nunca gostei das regras as quais eu tinha que seguir. Principalmente, as regras que a população considerava morais. Meu pai, que fora também meu pai, em Delfos, agora não era mais um cidadão ateniense, mas um juiz, um magistrado. Virou para mim e me fez casar com um homem que eu não gostava. Só que novamente, eu dei um jeito de fugir. Até que meu pai me pegou à força e me colocou num convento. Não adiantavam meus berros, meus gritos e meu escândalo. Minha mãe só olhava com apreensão e nervoso, mas nunca tomou nenhuma atitude para me ajudar.
Uma vez no convento, comecei a ser feliz. Depois de passados os anos de rebeldia. Eu conseguia sentir paz dentro do catre em que dormia. Com uma cama rústica e uma colchão duro. Havia uma penteadeira, onde acima ficava um oratório, o de Nossa Senhora. Eu orava pelo menos três vezes ao dia e sentia paz e liberdade. Foi um período magnífico. De tanta autodisciplina, acabei adquirindo a confiança da madre superiora que me deixou trabalhar junto ao povo, ensinando-lhes a eucaristia e preparando-os para a fé em Cristo. Cristo, uma divindade só de amor e justiça. Por isso, eu procurava ajudar o povo faminto com comida, com a nossa plantação no convento, com doações de roupas que nós, freiras, costurávamos.
Eu também tinha acesso à biblioteca do convento. Enorme, cheia de livros, então, eu escolhia qual livro ler. Lia livros religiosos, mas também lia livros de ficção. Ficção ou realidade ? Isso sempre me fascinou. Eu ensinava ao povo das redondezas. Ensinava sobre as palavras de Cristo, mas também lhes passava um ensinamento de amor e de liberdade, que aparentemente, nunca foi do interesse dos superiores. Desta forma, fui perseguida e presa. Mesmo que eu tivesse me escondido com amigos no povoado, não podia permitir que fossem mortos ou sofressem por minha causa.
Novamente, eu estava presa. Embora a prisão não me assustasse mais, uma vez que no início minha vida de freira também tivesse sido uma prisão. Passei muito tempo encarcerada. Não sei quantos anos. E conseguia sobreviver com esperança, porque eu entalhava as paredes da prisão, desenhava e escrevia histórias. Eu também orava e meditava com mais frequência ainda, para poder suportar o isolamento. Até então, eu recebia comida limpa, que me mantinha com forças dentro da prisão. Eu até mesmo cantava hinos em homenagem ao Senhor Deus. Bom, eu tinha fé, tinha persistência, tinha confiança de que quando eu menos esperasse, eu melhoraria.
Cheguei a fazer amizade com alguns carcereiros. Os mais fervorosos até oravam comigo. Nestes momentos, eu via um grande halo de luz que permanecia ao meu lado, como um anjo de Deus ou um grande amigo. Eu pensava no meu pai e na minha mãe. Sinceramente, já os imaginava vivendo a vida deles, sem terem qualquer notícia a meu respeito, uma vez que eu tinha me recusado a viver dentro das regras sociais. Eu e minha rebeldia. Ou teimosia, como quiserem chamar. Confesso que sempre segui o que me dava vontade. Não sabia bem por que, mas no fundo talvez eu só sentisse uma grande saudade de outras pessoas e de outro mundo ao qual eu não tinha mais acesso. Mesmo sentindo que nunca estava totalmente sozinha.
Algumas freiras amigas, levavam tecido e lã para costura e preparação de roupas aos desamparados que ajudávamos. Então, quando o brilho do sol entrava pela janela da torre onde eu estava, eu conseguia costurar e ajudar aos desamparados. Sentia saudades deles e saudades da minha vida livre pela colina, pelo terreno do convento e ao redor. Lembrava do pomar de frutas e da horta de que nós cuidávamos. Lembrava das crianças, do seu carinho, e da gratidão de suas famílias. Sentia falta das pessoas pelas quais eu prezava. Sentia falta da comunidade com quem eu convivia. Lembrei-me então do pai de família a que eu acolhera dentro de uma pequena caverna aos arredores do convento. Eu mentira aos guardas que não o conhecia ou nem sabia seu nome. Mas um dos guardas quis que eu o denunciasse à força. Mas eu não fiz. Por isso, estava há alguns anos nesta torre.
O guarda que me prendera, conhecia o homem com quem eu me recusara a casar. Então, quis me punir prendendo-me na torre por anos. Mas depois de muito tempo, o mesmo homem que eu recusara, tinha autoridade suficiente para sacrificar ou matar a quem ele desejasse dentro daquela torre. Logo, ele convenceu meus pais a acusar-me de bruxaria. Eu apenas disse que se orar para Jesus Cristo e Nossa Senhora todos os dias, se cantar hinos em louvo à Glória de Deus, era bruxaria, então eu era bruxa. Apenas escreveram que eu confessara que era bruxa e me levaram para o fogo.
Confesso o pavor que senti. Mas orava e cantava hinos ao senhor com ainda mais frequência. Prenderam-me na fogueira. Entretanto, o carcereiro com quem eu fizera amizade e com quem eu orava por Deus, teve pena de me ver queimando, já que sabia o quanto eu era religiosa. Assim, ele me matou com uma flecha atirada à distância, antes que meu corpo começasse a ser queimado.
Eu saí do meu corpo antes de sofrer as dores do fogo. Ainda que esta visão me lembrasse da luz e do calor original, no qual eu já tivesse vivido. Mais uma vez, eu me deslocara do corpo, elevando-me com o auxílio do amor e da amizade de alguns irmãos. Eu sempre soubera que a vida continuava e que não morríamos simplesmente, mudávamos de corpo, chegávamos a esquecer a realidade por alguns anos, até que ela surgia à nossa frente. Bem, apesar de tudo, apesar das dores, das tristezas e das revoltas. Nunca pude reclamar de solidão ou falta de amparo. Ainda que as pessoas vivas não pudessem estar ao meu lado.
Sempre amei as pessoas e o planeta. Amei mesmo os de que eu não gostava. E aprendi a respeitar e aceitar as diferenças de todos. Eu também era diferente, originalmente diferente, na forma, na visão, no comportamento, no modo de expressão. Entendi que tudo fazia parte da vida. Compreendi que esta era nossa missão : aprender, mudar o que podemos e aceitar o que não podemos mudar. Criar o bom, o belo e o justo. Conservar a criança boa e pura viva em nossos corações. Sem dores, sem culpas, sem danos. Só que esta missão não é nada fácil mesmo! E precisamos constantemente ser lembrados do que nos ensinou Cristo: a amar ao nosso próximo assim como a Deus.
(continua)