Tamanho não é documento • A vingança é um prato
Tamanho não é documento • A vingança é um prato é resenha de Monique Bonomini em sua coluna quinzenal na Expedição CoMMúsica.
Após o parto, o corpo da mulher se enche de um poderoso hormônio chamado ocitocina, apelidado, não à toa, de hormônio do amor. A ciência explica que ele é o responsável pela redução do sangramento após o parto e também por estimular a produção do leite materno, e não só isso, ele também está presente durante o orgasmo, modula a sensibilidade do organismo para o desconhecido e, por assim dizer, rompe barreiras que favorecem a formação de laços de afeto entre a mãe e o bebê, tudo lindo, não fosse ele um estratagema do corpo para a enganação, explico.
Ao engravidar, entra em cena no corpo materno a gonadotrofina coriônica humana, carinhosamente chamada de HCG. Esse hormônio de nome complicado envia ao corpo os sintomas inicias da gestação, tais como sensibilidade nos seios, náuseas e fadiga, além de ser um termômetro da gordura, exigindo a reposição do estoque que vai alimentar o feto durante seu crescimento. Perceba como nosso corpo engana nosso cérebro, após nove meses de HCG circulando, nasce o bebê e tome ocitocina pra gestante esquecer, num passe de química, todo seu martírio.
E que não digam que nem toda grávida, porque este é o caso de Laurinha, personagem central do conto, Os deliciosos instrumentos da vingança, de Miriam Mambrini, escritora carioca de, entre outras obras, O baile das feias.
Laurinha está grávida de Marco, seu marido. Trata-se de uma gravidez inesperada, mas que provoca tanto entusiasmo em Marco que enseja um rearranjo no planejamento do casal. Só não contava Laurinha com o fato de que Marco seria tão insensível ao seu padecimento. Tomada por enjoo, sonolência e uma azia sem fim, seus dias são penosos, correm sem qualquer empatia do marido, que chega a repreendê-la diante de tanta queixa.
Desolada diante do vai da valsa, Laurinha passa a nutrir um rancor pelo marido desalmado que, além de tudo, está cada vez mais ausente e some aos finais de semana sem sequer lhe dar satisfação, lhe pervertendo o juízo, é então que ela resolve:
“Foi numa dessas noites que tomou a decisão: ia engravidá-lo. Seria até bem fácil. Ele morderia a isca direitinho e se deleitaria bastante, com certeza mais do que ela que, numa noite insossa de papai-mamãe, se vira naquela enrascada. Aí, queria ver se ainda teria disposição para ir a bares e se enganchar em mulheres ordinárias — porque nada lhe tirava da cabeça que havia mulher naquela história.”
O banquete está servido, assistimos a uma Laurinha determinada a preencher o vazio que o marido sente diante da mulher transformada pela gravidez com muitas delícias, tantas que seu ventre logo começa a dilatar, lhe arrancando suspiros, não sabia ela se de prazer ou de dor pela gastrite, ao ponto que passam a disputar a lassidão do sofá, ambos cada vez mais rotundos, para o completo regozijo de Laurinha e dos leitores.
A história encontra seu fim num corredor de hospital, mas para saber quem primeiro entrou em trabalho de parto você terá que ler este saboroso conto.