Do Brasil Império à Música Contemporânea

Do Brasil Império à Música Contemporânea

Do Brasil Império à Música Contemporânea – Neste artigo, João Fortunato Soares de Quadros Júnior aborda as características principais que estruturaram a música do período imperial e republicano no Brasil; os contextos histórico e sociocultural que suportaram essa produção musical e sugere diferentes exemplos para o reconhecimento auditivo de diferentes autores dos movimentos musicais desse período. Todos os links foram acessados novamente e os que não estão mais ativos, conforme a edição original, foram excluídos. E-book por João Fortunato Soares de Quadros Júnior. Vamos contar esse percurso em três partes, sendo o Brasil Colonial, a primeira; Do Brasil Império à Música Contemporânea, segunda parte e, por fim, Música popular brasileira nos séculos XX e XXI, sendo esta a segunda parte. Para conferir a primeira parte, A Música Brasileira no Período Colonial.

 

 

  1. A música no Brasil Império

Para contextualização histórica, o período que abrange o Brasil Império está demarcado entre os anos 1822 (Independência do Brasil) e 1889 (Proclamação da República). Dentro dele, podemos destacar três momentos específicos:

a) Primeiro Reinado (1822-1831), marcado pela administração de D. Pedro I;

b) Período Regencial (1831-1840), momento de transição em que o Brasil foi governado por diferentes regentes enquanto aguardava-se a obtenção da maioridade pelo Príncipe Herdeiro, D. Pedro II, e

c) Segundo Reinado (1840- 1889), período definido pela administração de D. Pedro II.

 

1.1 Primeiro Reinado

Segundo diferentes historiadores, o Primeiro Reinado ficou caracterizado pelo autoritarismo de D. Pedro I e pela sua inabilidade administrativa (VEIGA, 2007). Nesse período foi promulgada a primeira Carta Magna do Brasil, datada de 25 de março de 1824, redigida após a dissolução da Assembleia Constituinte por um pequeno grupo de apoiadores do Regente, uma constituição que fortalecia o poder do imperador (VAINFAS, 2002).

Em 1825, após três anos de lutas contra o Brasil e sofrendo forte pressão da elite portuguesa para reaver o território brasileiro, D. João VI decidiu reconhecer a independência da colônia e firmar o Tratado de Amizade e Aliança, acordo intermediado pela Inglaterra e que implicou ao Brasil o pagamento de altas indenizações tanto à Coroa portuguesa quanto à britânica. Atrelado a isso, a Guerra da Cisplatina (1825-1828) e a inflação decorrente do encarecimento dos preços dos alimentos contribuíram para instalar uma grave crise financeira no Brasil, gerando consequências como a falência do Banco do Brasil em 1829.

No campo educacional, a constituição de 1824 tornou obrigatório o acesso à educação gratuita, direito que, segundo Morais (2017), não era garantido a índios, negros e mulheres. Em 1827 ficou estabelecida a criação de escolas de primeiras letras em todas as províncias do país. Além disso, surgiram também as primeiras instituições de ensino superior no Brasil, como as faculdades de Direito de São Paulo e de Recife.

Sob a ótica cultural, o regresso da Família Real à Lisboa representou uma redução brusca das atividades musicais promovidas pela Coroa, apesar de D. Pedro I ser músico de formação (foi aluno de Marcos Portugal, Sigismund Neukomm e Padre José Maurício) e autor de importantes composições, tais como o Hino da Independência1 e o Hino da Carta2, adotado como hino nacional português até o ano de 1910, data da abolição da monarquia em Portugal (MARIZ, 1983). A crise financeira levou à decadência das atividades desenvolvidas na Capela Imperial, tornando-se um período complicado para a produção de música sacra, dada a dificuldade de contratação de instrumentistas e cantores. Além disso, contribuiu para essa situação o incêndio ocorrido no Real Teatro de São João em 1824, o qual foi reconstruído e reinaugurado em 1826 sob o nome de Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara.

 

1 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=W-GCpz4I0CM. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aImkhIbcjv8. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

Apesar disso, Almeida (1958) destaca que, no Primeiro Reinado, as produções musicais de maior relevância no Brasil foram as apresentações de companhias líricas italianas com obras de renomados compositores de ópera, como Rossini e Donizetti, que centravam sua produção explorando o bel canto europeu. O sucesso dessas produções fez com que muitos estrangeiros se radicassem no Brasil, atuando como músicos e também como professores. De acordo com Mariz (1983), o grande prestígio da ópera nesse período influenciou fortemente a música sacra e também a modinha brasileira.

A esse respeito, observa-se a popularização de gêneros musicais como a modinha e o lundu, sobretudo a partir de 1830, presentes nos principais salões e terreiros de festas que ocorriam nas províncias. De acordo com Tinhorão (2010), as produções de modinhas e lundus, até o final do Primeiro Reinado, se dividiam entre as composições de caráter formal, feitas por músicos profissionais e que registravam sua autoria, e aquelas produções de caráter informal, feitas por letristas e músicos provenientes da classe média e divulgadas na maioria das vezes de forma anônima. Por essa razão, boa parte das produções musicais da época são atribuídas a determinados compositores por suas características estilísticas.

 

2.1.2 Período Regencial

D. Pedro I retorna para Portugal em 1831 deixando como sucessor o seu herdeiro, D. Pedro II, uma criança de 5 anos de idade. Como a constituição brasileira não permitia que um menor de idade assumisse o trono, foi necessária a instauração de um governo de transição, que ficou conhecido como Período Regencial, ocorrendo a sucessão de quatro regências: Província Trina (regência composta pelos senadores Francisco de Lima e Silva, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e José Joaquim Carneiro de Campos); Trina Permanente (composta pelos deputados José da Costa Carvalho, João Bráulio Moniz e pelo senador Francisco de Lima e Silva); Una de Feijó (regência do Padre Diogo Antônio Feijó); e Una de Araújo Lima (regência de Pedro de Araújo Lima). Esse período ficou marcado pela estruturação das Forças Armadas, sobretudo pela eclosão de diversas rebeliões pelo país, tais como Balaiada (no Maranhão), Cabanagem (em Grão-Pará), Cabanada (em Pernambuco), Guerra dos Farrapos (no Rio Grande do Sul) e Sabinada (na Bahia).

No cenário educacional, foi instituída a descentralização da administração escolar em 1837, determinando que as províncias se tornassem responsáveis pela oferta do ensino elementar e secundário, enquanto que a Coroa administraria o ensino superior. Nesse mesmo ano foi criado o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, um modelo que deveria ser seguido pelas escolas secundárias das demais províncias (MORAIS, 2017).

O Período Regencial também é lembrado como o início do Romantismo no Brasil, movimento fortemente influenciado pelos ideais franceses e que teve como marco a publicação do livro de poemas Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves Magalhães (1836). Esse movimento tinha como objetivo inicial a criação de uma literatura que valorizasse figuras típicas do Brasil, tal como o índio. Posteriormente, ele ganhou força e se estendeu para as demais artes, como a música.

O advento do Romantismo possibilitou o surgimento de um novo sistema de criação musical no Brasil, a composição compartilhada (também conhecida como parceria), elemento presente até os dias atuais. Segundo Tinhorão (2010), esse tipo de composição foi resultado do encontro entre os poetas eruditos, compositores das letras com mensagens amorosas ou satíricas presentes nas modinhas e nos lundus, e os ritmos e as melodias de origem negro-mestiço compostas por músicos populares. As parcerias possibilitaram a popularização desse tipo de música de forma massiva, atingindo pessoas de todas as camadas sociais.

Com relação à música sacra, Mariz (1983) aponta que a abdicação do trono brasileiro por D. Pedro I acarretou na extinção da orquestra da Capela Imperial. Com isso, houve uma decadência na qualidade da produção de música sacra no Brasil, ocorrendo na maioria das vezes a utilização de imitações ou adaptações de área de ópera italiana nas missas.

Nesse cenário, surge a figura de Francisco Manuel da Silva (1795-1865) como principal compositor da época. Discípulo do Padre José Maurício e de Sigismund Neukomm, Francisco Manuel tocava diferentes instrumentos e havia integrado a orquestra da Capela Real até o ano de 1821. Escreveu inúmeras obras musicais, ficando imortalizado pelo Hino Nacional do Brasil3. Ele foi responsável pela fundação da Sociedade Beneficente Musical (1833) e atuou como regente da orquestra da Sociedade Filarmônica (1834).

Um ponto importante evidenciado por Kiefer (1997) foi a estruturação cada vez maior da burguesia brasileira e sua influência na música. Se antes as apresentações musicais eram baseadas na música sacra e financiadas pela Coroa, nesse momento elas passam a depender do público pagante, transmitindo aos consumidores o poder de decisão sobre a programação cultural vigente nas províncias. Isso acarretaria em transformações importantes e permanentes no cenário musical brasileiro, o que será discutido em outro momento.

3 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2HnEud_VRYY. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

2.1.3 Segundo Reinado

Em 1840 ocorreu o Golpe da Maioridade, fato que pôs fim ao Período Regencial quando declarada a maioridade de D. Pedro II, mesmo tendo apenas 14 anos. Essa decisão foi motivada pela dificuldade encontrada pelos regentes anteriores em administrar o país, sobretudo pelas brigas políticas entre os membros dos Partidos Conservador e Liberal. Segundo Barman (2012), os políticos da época viam em D. Pedro II uma figura neutra e com a autoridade necessária para conduzir o Brasil no processo de consolidação da independência, dando início assim ao período conhecido como Segundo Reinado.

O governo de D. Pedro II ficou marcado como um “período construtivo na vida brasileira, com a estabilidade política, a organização dos quadros nacionais, a formação social do país e o desenvolvimento das suas atividades espirituais” (ALMEIDA, 1958, p. 69). Nesse período, houve a solidificação do Exército e da Marinha, construção de estradas de ferro para fomentar a mobilidade pessoal e de produtos entre as províncias, fim gradativo da escravidão, incentivo à imigração europeia e um grande fluxo migratório proveniente da Europa.

O desenvolvimento econômico no Segundo Reinado foi liderado pela agricultura, com grande destaque para o cultivo do café, responsável pelo surgimento de uma nova elite econômica em São Paulo, denominada Barões do Café. Esse crescimento econômico, atrelado à preferência pela mão de obra livre em detrimento à escrava, despertou o interesse de muitos europeus em imigrarem para o Brasil, especialmente os de origem italiana.

Na educação, surge o primeiro documento oficial em que consta a presença da música enquanto “matéria” integrante dos currículos escolares: o Decreto nº 1331, de 1854. Segundo esse documento, os alunos deveriam receber no segundo grau do ensino primário “noções de música e exercícios de canto” (QUADROS JR.; QUILES, 2012, p. 176), aparecendo também como conteúdo obrigatório para o ensino secundário. Em 1879, foi promulgado o Decreto nº 7.247, que determinou o ensino de “rudimentos de música, com exercícios de solfejo e canto”, bem como a inserção da disciplina música vocal nos cursos de formação de professores, realizada nas Escolas Normais (ibidem., p. 177). No campo musical, vale destacar a grande importância do trabalho desenvolvido por Francisco Manuel da Silva na reestruturação da orquestra da Capela Imperial, sendo nomeado mestre compositor da Imperial Câmara em 1841. Por outro lado, deu o suporte necessário à criação de organizações importantes para a promoção cultural do país, tais como a Sociedade de Música do Rio de Janeiro (1841), a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional (1857) e, especialmente, do Conservatório de Música do Rio de Janeiro (1847), instituição responsável por fornecer músicos à Capela Imperial e que atualmente configura a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Outro fato importante foi a introdução do piano no Brasil. Por volta de 1850, era praticamente obrigatória a presença desse instrumento nas salas de estar das famílias mais abastadas do Império, considerado um sinal de etiqueta social para as moças da corte que aprendessem a tocá-lo (NAPOLITANO, 2002). Segundo Tinhorão (2010, p. 136), a popularização do piano na segunda metade do século XIX possibilitou:

“[…] o estabelecimento de uma curiosa trajetória descendente que conduziria o instrumento das brancas mãos das moças da elite do I e II Impérios até aos ágeis e saltitantes dedos de negros e mestiços músicos de gafieiras, salas de espera de cinema, de orquestras de teatro de revista e casas de família dos primeiros anos da República e inícios do século XX.”

Com isso, o piano acabou se tornando um dos principais instrumentos do Brasil, sendo incorporado em conjuntos instrumentais populares, o que levou ao surgimento de uma classe de música com pouca instrução formal e muito swing, chamado de pianeiro (TINHORÃO, 2010). Por outro lado, surgem no país as casas de impressão e editoras musicais, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Bahia e Pará, responsáveis direta ou indiretamente pela consolidação e disseminação de músicas de origem europeia (como a polca e a valsa) e nacional (lundu e modinha).

 

2.1.3.1 O Romantismo no Brasil

Na música erudita, o Segundo Reinado foi o celeiro para o desenvolvimento do Romantismo brasileiro. Despontaram compositores de grande renome e com forte influência da música europeia (sobretudo italiana e alemã), sendo o principal deles Carlos Gomes (1836-1896). Paulista de nascimento, ele aprendeu a tocar vários instrumentos com o seu pai e começou desde cedo a compor. Aos 24 anos de idade, decide se mudar para o Rio de Janeiro para estudar no Conservatório de Música da capital, onde compôs a sua primeira ópera, A Noite do Castelo4 (1861). Em 1864, viaja para a Itália e inicia seus estudos no Conservatório de Milão, financiado pelo Imperador D. Pedro II. Ali, desenvolveu sobremaneira o seu talento para a música lírica, compondo em 1870 a sua obra mais famosa: O Guarani5. Essa composição lhe rendeu notoriedade junto aos compositores europeus (em especial Verdi), retornando nesse mesmo ano ao Brasil e sendo recebido com pompas e circunstâncias pelo povo brasileiro. Com o sucesso, Carlos Gomes acabou sendo condecorado com a Imperial Ordem da Rosa, principal condecoração do Império. Dentre suas obras, destacam-se Fosca (1873)6, Colombo (1892)7 e a modinha Quem sabe (Tão longe, de mim distante) (1859)8. Após inúmeras viagens à Europa, retorna definitivamente ao Brasil para dirigir o Conservatório de Belém em 1896, já com a saúde bastante debilitada, chegando ao falecimento meses depois.

 

4 Abertura de A Noite no Castelo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PWQCUTr-E78. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

5 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZP8PB5IKQsg. 1º de julho de 2023.

 

6 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mEkn7SyBJ-w. 1º de julho de 2023.

 

7 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DRb-0dRseVw. 1º de julho de 2023.

 

8 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ghDx5VgGn4o. 1º de julho de 2023.

 

Apesar da grande influência italiana em sua obra, Carlos Gomes foi responsável por colocar o Brasil no cenário da música internacional. Seguramente, ele foi o compositor que influenciou e abriu as portas para as gerações seguintes. Por outro lado, autores como Mariz (1983) e Kiefer (1997) apontam que é possível verificar, sobretudo nas peças curtas compostas por Carlos Gomes, certos traços de intenções nacionalistas que fundamentariam o movimento pós-Romantismo. Como exemplo, Mariz (1983) menciona a suíte Quilombo9, que foi escrita a partir de motivos de danças negras.

 

9 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Bbomj7iwqR4. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

Além de Carlos Gomes, merece destaque o trabalho desenvolvido por Leopoldo Miguez (1850-1902), responsável por disseminar no Brasil a música de Liszt e Wagner, bem como introduzir em terras brasileiras o poema sinfônico como forma de composição musical. Dentre suas obras, destacam-se Prometeu (1891)10 e o Hino da Proclamação da República (1890)11. Henrique Oswald (1852-1931) é outro compositor romântico que merece menção. Ganhador do prêmio Il Neige, concurso internacional de obras para piano solo promovido pelo jornal parisiense Le Figaro, Oswald viveu boa parte da sua vida na Itália, retornando definitivamente ao Rio de Janeiro em 1912, já com 60 anos. Compôs três óperas e uma grande variedade de obras para música de câmara [tal como Quarteto em sol maior Op. 26 (1898)12] e peças para piano [ex.: Il Neige!…(1902)13], fato pelo qual obteve grande importância dentro da história da música brasileira (ALMEIDA, 1958). 

 

10 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bmGHQ95rkx8. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

11 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nKX3qxRMTi8. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

12 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Cfiq89LYjE4. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

13 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GNDvydEZ3Pg. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

 

2.2 O Maxixe e o Choro: a transição do Império para a República

Dança popular urbana que surgiu no Rio de Janeiro nos primeiros anos da década de 1870, o maxixe é descrito por Napolitano (2002, p. 46) como “um tipo de música mais sincopado […], mais malicioso e sugerindo movimentos de corpos pendulares, filho direto da habanera afro-cubana, importada da Espanha, apimentada pelo lundu (dança) afro-brasileiro”. Sandroni (2001, p. 68) apresenta outra visão sobre a origem, afirmando que o maxixe herdou sua organização global de danças europeias como a valsa e a polca – “par enlaçado, música ‘externa’ exclusivamente instrumental e participação simultânea de todos os pares” – e incorporou do lundu os movimentos sensuais dos quadris. Seria por essa razão que ele aparece inicialmente nos registros históricos sob a denominação de polca-lundu.

Além do requebrar das cadeiras, o maxixe herdou do lundu também a síncope característica. Essa dança era considerada pela sociedade da época algo muito vulgar e de baixa categoria, levando compositores como Ernesto Nazareth (1863-1934) e Henrique Alves de Mesquita (1830-1906) a denominar os maxixes que compunham como tango brasileiro, uma estratégia que permitiu uma maior aceitação do estilo dentro dos ambientes aristocráticos do Brasil. Apesar dessa resistência, o maxixe acabou assumindo o posto antes ocupado pelo lundu, se tornando a principal dança brasileira na transição entre os séculos XIX e XX e reconhecida como a primeira dança popular brasileira de par enlaçado (SANDRONI, 2001).

A primeira composição impressa e que fazia referência ao nome maxixe foi Ora bolas!, de João José da Costa Júnior (1868-1917) (sob o pseudônimo de Juca Storoni), datado de 1897 (EFEGÊ, 1974). Entretanto, Sandroni (2001) afirma que até meados dos anos 1890, a dança do maxixe era feita ao som de diferentes tipos de música escrita em compasso binário, com andamento vivo e que incitasse o requebrar das cadeiras ao som de melodias sincopadas (tais como o lundu, o tango e as polcas). Entre os principais compositores de maxixe, merecem destaque Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Ernesto de Nazareth.

Considerada uma das principais personalidades femininas da história da música brasileira, Francisca Edwiges Neves Gonzaga (mais conhecida como Chiquinha Gonzaga) estudou música desde criança com o maestro Elias Álvares Lobo. Compôs sua primeira peça aos 11 anos de idade denominada Canção dos Pastores (1858)14, uma canção natalina. Seu primeiro grande sucesso foi a polca Atraente, composta em 1877. Entretanto, as suas composições mais aclamadas são o maxixe Corta-Jaca (1914)15 e a marchinha de carnaval Ó Abre Alas (1899)16, o que lhe rendeu o título de primeira compositora popular do Brasil (MARCÍLIO, 2009). Chiquinha Gonzaga se tornou um símbolo de transgressão social devido a sua postura frente a diferentes convenções, como frequentar festas de lundu, se separar do marido e criar sozinha um dos filhos, advogar em prol da abolição da escravatura e pelo fim da monarquia (DINIZ, 2009). No total, Chiquinha Gonzaga compôs mais de 2.000 músicas de diferentes gêneros.

 

14 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=J1S2wyWWU-I. 1º de julho de 2023.

 

15 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q2DUzJxUbYc. 1º de julho de 2023.

 

16 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p_nMAuneusM. 1º de julho de 2023.

 

Ernesto Júlio de Nazareth, carioca de nascimento, se formou musicalmente em grande parte como autodidata. Compôs sua primeira obra aos 14 anos, uma polca-lundu chamada Você quem sabe (1877)17. Seu primeiro grande sucesso foi a polca Não caio noutra, datado de 1880, que contou com diversas reedições. Como principais composições, merecem destaque os tangos brasileiros Brejeiro (1893)18, Odeon (1909)19 e Batuque (1909)20. Em seu livro, Mariz (1983, p. 101) cita um relato de Francisco Mignone sobre Ernesto Nazareth: “[…] ele nada tinha de erudito. Era apenas um ‘intuitivo’ como Mussorg ou Villa-Lobos. A sua obra serviu de padrão e modelo para os nacionalistas que viveram na época dele e depois. Visto desse ângulo, ele deve ser considerado um ‘clássico’ da música brasileira nacionalista”. Sua obra completa abarca mais de 200 composições para piano solo, em sua maioria concentradas nos gêneros tango brasileiro, valsas e polcas.

 

17 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tUqiRjvS1_w. 1º de julho de 2023.

 

18 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t-Av_Yl25X0. 1º de julho de 2023.

 

19 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zhR8q1X9uQM. 1º de julho de 2023.

 

20 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8BtcKC70e5Y. 1º de julho de 2023.

 

O choro surge no Rio de Janeiro também nos anos 1870, concebido inicialmente não como um gênero musical, mas sim como um jeito de tocar os gêneros musicais estrangeiros da época, como a polca, a valsa, o schottisch e a quadrilha (TINHORÃO, 2010). Segundo Diniz (2003, p.13), o termo choro era utilizado para designar o “conjunto musical e as festas onde esses conjuntos se apresentavam”. Com o passar dos anos, sobretudo com a ascensão de Pixinguinha como o símbolo mais representativo desse estilo, o termo se consolidou definitivamente como um gênero musical, adotando originalmente uma formação musical baseada no trio composto por flauta, violão e cavaquinho. Taborda (2010) chama a atenção para a existência de grupos que não adotavam essa formação, incorporando instrumentos como o oficlide21, trombone, clarinete, piano, trompete, bandolim, requinta, sax e/ou violino.

 

21 Segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, oficlide é um “instrumento de sopro da família dos metais. Trompa com chaves e bocal, tubo cônico sobre si mesmo, em uso durante o século XIX”.

 

Existem diferentes versões para a origem do nome choro. De acordo com Cazes (1998), esse termo foi cunhado para representar a forma chorosa como os flautistas executavam as melodias das músicas. Diniz (2003), citando uma versão do maestro Batista Siqueira, afirma que o termo choro representa uma mescla entre o verbo chorar e a palavra chorus (coro, em latim). Câmara Cascudo acreditava que choro vinha da palavra xolo, usada para designar osbailes dos escravos realizados nas fazendas (CABRAL, 2009). Independente da origem, o fato é que esse gênero musical se tornou um dos mais representativos elementos culturais do Brasil no século XX.

Assim como o maxixe, o choro tem origem na fusão do lundu com gêneros musicais europeus (como a polca). Essa música, em sua maioria, era executada por músicos provenientes da classe média (denominados chorões), brancos ou mulatos claros, que trabalhavam como funcionários de repartições públicas no Rio de Janeiro, estando, em grande parte, vinculados aos Correios e Telégrafos ou a bandas militares (TINHORÃO, 2010).

O primeiro grande nome do choro foi Joaquim Antônio da Silva Callado, integrante da primeira geração do choro e considerado como o pai dos chorões, tendo composto aproximadamente 70 músicas, com destaque especial para Flor amorosa (1880)22. Flautista de grande habilidade de interpretação e improviso, Callado influenciou toda uma geração de chorões pela sua riqueza nas composições. Lecionou flauta na Academia Imperial de Belas Artes. Integrou e coordenou o conjunto O Choro do Callado, que contou com a participação de importantes músicos, como Viriato Figueira, Virgílio Pinto e Chiquinha Gonzaga.

 

22 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nyDfmqzpklo. 1º de julho de 2023.

 

Nessa época, era comum que apenas o solista – em geral o flautista – soubesse ler partitura, cabendo aos demais elaborar os acompanhamentos ‘de ouvido’. Segundo Diniz (2003, p.15):

“Era um hábito comum o flautista desafiar, brincar, e às vezes fazer cair, com suas armadilhas harmônicas, o cavaquinista e os violonistas. O calor das rodas de choro, as malandragens nas execuções, a provocação dos instrumentistas solistas – tudo colaborava para imprimir ao gênero sua tônica de liberdade e improviso.”

Por isso, muitos solistas ganharam grande projeção no meio musical, dentre os quais se destacam Patápio Silva (1880-1907) e Pixinguinha (1897-1973). Apontado por Diniz (2003) como o maior virtuose da flauta brasileira, Patápio Silva estudou música com Duque Estrada Meyer no Instituto Nacional de Música (antigo Conservatório de Música), sendo um estudante bastante premiado. Fez diversas gravações na CasaEdison, primeira gravadora do Brasil, bem como realizou apresentações em várias cidades do país. Faleceu precocemente aos 27 anos.

Maestro, flautista, saxofonista, compositor e arranjador, Alfredo da Rocha Vianna Filho (mais conhecido como Pixinguinha) se tornou o principal nome da história do choro. Filho de pai músico, ele iniciou seus estudos musicais em casa ainda criança no Rio de Janeiro, tocando em cabarés, salas de cinema e no teatro de revista. Gravou o seu primeiro disco aos 14 anos, sendo o “primeiro solista brasileiro a improvisar nas gravações” (CABRAL, 2009, p.9). Integrou a partir de 1914 o Grupo do Caxangá, em parceria com João Pernambuco e Donga, ampliado em 1919 para dar origem ao grupo Os Oito Batutas, um dos principais conjuntos de choro da década de 1920 (TABORDA, 2010). Pixinguinha trabalhou na gravadora RCA Victor durante os anos 1930, atuando como arranjador e regente da orquestra da RCA. Compôs um grande quantitativo de músicas, das quais podemos destacar Um a zero (1919)23, Rosa (1937) e o seu maior sucesso, Carinhoso (1928)24. Faleceu em 1973, vítima de um infarto. O dia do seu nascimento (23 de abril) ficou registrado como o Dia Nacional do Choro.

 

23 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yLAh6-nxtk4. 1º de julho de 2023.

 

24 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C-Gg8HH1UzM. 1º de julho de 2023.

 

Não poderíamos encerrar a seção destinada ao choro sem mencionar as duas músicas mais tocadas desse gênero. Tico-tico no fubá (1917)25 foi composta por Zequinha de Abreu (1880-1935), sendo gravada pela primeira gravação em um disco somente em 1931 pela Orquestra Colbaz. O sucesso dessa música foi tamanho que ela fez parte da trilha sonora de diversos filmes de Hollywood na década de 1940 (SEVERIANO; MELLO, 1997). Apesar de ser mais conhecida como uma música instrumental, Tico-tico no fubá possui letra cuja autoria é de Eurico Barreiros e Aloísio de Oliveira e que recebeu uma versão em inglês feita por Ervin Drake. Conta com diferentes versões e regravações de artistas nacionais e internacionais de renome, tais como os brasileiros Ney Matogrosso e Daniella Mercury e o norte-americano Ray Conniff, sendo considerada a música brasileira mais gravada no mundo (FONTENELE, 2016). A performance mais recente e com grande impacto dessa música foi feita por Roberta Sá no encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016.

 

25 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CcsSPzr7ays. 1º de julho de 2023.

 

Composto em 1947 por Waldir Azevedo (1923-1980), Brasileirinho26 é considerada a música mais emblemática do gênero choro por fundir importantes aspectos musicais e técnicos que caracterizam esse gênero, tais como virtuosismo e capacidade de improviso (BERNARDO, 2004). Foi gravada por grandes nomes da música brasileira, como Carmen Miranda, João Pernambuco, Armandinho e pela Rainha do Choro, Ademilde Fonseca. Brasileirinho foi considerada uma das 100 músicas brasileiras mais importantes da história, segundo a revista Rolling Stones (2009), tornando-se título de um documentário sobre choro em 2005.

Napolitano (2002, p. 46) afirma que “na segunda metade do século XIX, a linha musical polca-choro-maxixe-batuque representava um mapa social e cultural da vida musical carioca: o sarau-doméstico-o teatro de revista- a rua- o pagode popular- a festa da senzala”. A virada do século convergiu para o surgimento de vários novos gêneros musicais brasileiros, destacando as peculiaridades de cada região, tal como o frevo em Pernambuco, o samba na Bahia e no Rio de Janeiro, o Bumba meu boi no Maranhão etc. Esse fenômeno contribuiu diretamente para a formação de uma identidade brasileira multifacetada, rica, plural e bastante complexa, nos tornando semelhantes em nossas diferenças.

 

2.3 Movimento nacionalista brasileiro

O movimento nacionalista musical é caracterizado por Mariz (1983) como o período da história da música iniciado nas últimas décadas do século XIX e que perdurou até a Segunda Guerra Mundial, que trazia como elemento principal o uso nas composições de um “toque patriótico pelo aproveitamento de ritmos ou melodias populares de [cada país], aberta ou veladamente, em peças de quase todos os gêneros” (p. 93). No Brasil, esse movimento ficou mais evidenciado a partir da década de 1920, sobretudo com o advento da Semana de Arte Moderna (em 1922), havendo grande interesse em conhecer e difundir as raízes folclóricas do nosso país. Esse momento também ficou marcado pela realização de várias expedições antropológicas pelo interior do Brasil, sendo provavelmente a mais famosa delas a coordenada por Mário de Andrade no final dos anos 1930.

O nacionalismo musical teve como percussores nomes como Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913), Alexandre Levy (1864-1892)27, Ernesto de Nazareth e Alberto Nepomuceno (1864-1920), sendo este último tido como o principal compositor do período denominado como pré-nacionalismo. A obra Série Brasileira (1891)28, de Alberto Nepomuceno, é considerada como o marco inicial do nacionalismo brasileiro. Kiefer (1983, p. 106), por sua vez, concede essa honraria a Brasílio Itiberê ao afirmar que “se as tentativas anteriores, conscientes ou inconscientes, eram esporádicas, A Sertaneja [1869]29 está no início de um movimento contínuo e orgânico de busca consciente, da autoafirmação nacional”. Essa afirmação se baseia em Camêu (1970), que destaca a grande influência da visita ao Brasil do compositor americano Louis Moreau Gottschalk (1829-1869) em 1869 na criação de composições eruditas brasileiras baseadas em temática popular, apropriando-se dos temas, dos ritmos, dos títulos e da facilidade de comunicação.

 

26 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MfIdOfeWK2A. 1º de julho de 2023.

 

27 Assista a performance da obra Variações sobre um tema popular brasileiro, de Alexandre Levy. Disponível em: https://youtu.be/TrO8V0qHyxc. 1º de julho de 2023.

 

Independente do elemento motivador, o importante é que a partir desse movimento, muitos compositores se propuseram a pesquisar a fundo o folclore brasileiro e utilizaram em boa parte das suas obras temas e ritmos bastante enraizados no cotidiano do povo. Isso possibilitou a popularização da música erudita no Brasil, sendo aceita por integrantes de diferentes camadas sociais, ainda que fosse prioritariamente consumida pelos mais ricos.

Nesse cenário, surge o maior nome da música brasileira: Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Nascido no Rio de Janeiro, Villa-Lobos foi compositor, regente e instrumentista (tocou clarinete, violoncelo, violão e piano). Adepto da vida boêmia, ele frequentou desde cedo as rodas de choro do Rio de Janeiro, o que acabou por influenciar suas obras de maneira considerável e que pode ser verificada na sua série de dezesseis choros compostos entre os anos 1924 e 1929. O grande interesse pela cultura popular o levou a empreender sua primeira grande viagem pelo Nordeste brasileiro em 1905, quando tinha apenas 18 anos. Segundo Mariz (1983, p. 114):

“Visitou os Estados do Espírito Santo, Bahia e Pernambuco e lá extasiou-se diante da riqueza folclórica. Meteu-se pelos bairros mais duvidosos da cidade do Salvador e do Recife, em busca de aspectos curiosos do populário local; embrenhou-se nos sertões daqueles Estados, passou temporadas em engenhos e fazendas no interior. A experiência recolhida nessa viagem foi bastante grande. A música dos cantadores, a empostação (ou desempostação) no cantar, a afinação de seus instrumentos primitivos, os aboios dos vaqueiros, o autos e danças dramáticas, os desafios, tudo interessou-o vivamente e despertou-lhe o sentido de brasilidade que trazia no sangue.”

 

28 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zRoOP5NhyzM. 1º de julho de 2023.

 

29 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gzKe_L83P-c. 1º de julho de 2023.

 

De igual maneira, Villa-Lobos empreendeu nos anos seguintes viagens para as outras regiões do país, o que lhe rendeu vasto conhecimento dos elementos singulares brasileiros, contribuindo assim na produção de um grande número de composições baseadas em tais elementos. Como exemplos de obras resultantes dessas expedições podemos citar Amazonas (1917)30, Uirapuru (1917)31 e Choro nº 1 (1920)32.

A participação de Villa-Lobos na Semana de Arte Moderna de 1922 ocorreu por meio da realização de uma série de 13 concertos, contendo por volta de 5 programas de primeiras audições, porém nenhuma composição específica para o evento. A repercussão em parte negativa da Semana junto à população não lhe tirou o brio, mas lhe motivou a viajar no ano seguinte para Paris (França), com o objetivo de continuar a compor e organizar concertos.

Em 1930, Villa-Lobos regressa ao Brasil como um compositor renomado e bastante reconhecido na Europa. Abismado com o descaso da música dentro das escolas brasileiras, ele elaborou um projeto de educação musical, que obteve inicialmente o apoio do então Interventor de São Paulo, Sr. João Alberto, e que posteriormente foi alçado a nível nacional, coordenado por ele mesmo desde a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA) no Rio de Janeiro. Para demonstrar o impacto da sua proposta pedagógica, Villa-Lobos promovia várias demonstrações públicas com corais compostos por até 40.000 vozes. Complementarmente, ele elaborou uma coletânea com 137 arranjos de músicas folclóricas brasileiras, a qual denominou de Guia Prático, para servir como uma ferramenta auxiliar para os professores ensinarem canto orfeônico. Esse momento da educação musical foi tão importante que todas as reformas educacionais entre 1930 e 1961 incluíram o canto orfeônico como elemento obrigatório no currículo escolar. Por isso, muitos estudiosos afirmam que Villa- Lobos foi responsável pelo projeto de educação musical mais longevo e de maior repercussão da história do Brasil.

 

30 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1LbpjOyi2c4. 1º de julho de 2023.

 

31 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p1sPSAD9SEc. 1º de julho de 2023.

 

32 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lqnVCIzyVEU. 1º de julho de 2023.

 

O período de retorno ao país foi extremamente produtivo para Villa-Lobos tanto como compositor quanto como promotor cultural, criando um vasto número de obras e dirigindo vários concertos em diferentes estados brasileiros. Exemplo disso foi a turnê artística composta por 54 concertos em que ele esteve acompanhado pelos pianistas Guiomar Novaes, Souza Lima, Antonieta Rudge e Lucília Guimarães (sua esposa), o violinista belga Maurice Raskin e a cantora Nair Duarte Nunes. É desse período algumas das composições mais conhecidas de Villa-Lobos, tais como as Bachianas Brasileiras (1930-1945), sendo as mais conhecidas a Tocata33 da Bachiana nº 2 e a Ária34 da Bachiana nº 5.

Por todo trabalho desenvolvido como instrumentista, compositor, regente, educador e promotor cultural, Villa-Lobos recebeu diversas homenagens. Destas, se destacam o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Universidade de Nova York (Estados Unidos), o título de fundador e primeiro Presidente da Academia Brasileira de Música e a impressão do seu rosto na nota comemorativa de 500 cruzados. Até os dias atuais, Villa-Lobos é homenageado em diferentes cidades do Brasil, dando nome a estabelecimentos, praças, parques e ruas.

Além de Villa-Lobos, outros compositores nacionalistas também se destacaram bastante. Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948) tinha um estilo composicional totalmente diferente de Villa- Lobos, mais próximo aos moldes tradicionais da época, o que lhe rendeu certa popularidade entre os apreciadores e críticos de música erudita. É considerado um dos principais nomes responsáveis pela consolidação do movimento nacionalista. Dentre suas obras, destacam-se o poema sinfônico Imbapara (1929)35 e a suíte Reisado do Pastoreio (1930)36, com destaque especial para a peça Batuque37, sua peça orquestral mais conhecida. Foi professor do Instituto Nacional de Música (atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e fundou o Conservatório Brasileiro de Música em 1936, instituição existente até hoje e responsável pela formação de grandes músicos no Brasil.

 

33 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wIG4h7lvj4Y. 1º de julho de 2023.

 

34 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YIrMJ_ix0FA. 1º de julho de 2023.

 

35 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9PN_rgtCLiA. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

36 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1VhYyFk8B_A. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

37 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p7QO3APVTIU. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

Considerado por Mariz (1983) como um dos músicos mais completos que o Brasil já teve, Francisco Mignone (1897-1986) ganhou grande destaque no cenário nacional por haver composto um grande número de obras orquestrais baseadas em temas e ritmos de origem negra e pela grande popularidade dos seus lieder38 (canção feita para piano e cantor solo) entre os cantores. Dentre as suas obras mais famosas se destacam Maracatu do Chico Rei (1929)39 e Festa das Igrejas (1929)40. Em suas obras é possível notar traços de influência de grandes compositores do cenário internacional, tais como Debussy, Ravel, Stravinsky e Manuel De Falla.

A etapa final do nacionalismo (e sua transição para a música contemporânea) foi marcada principalmente pela presença de dois grandes compositores. O primeiro deles, Radamés Gnatalli (1906-1988) foi o responsável por introduzir elementos do jazz americano dentro da música erudita brasileira. Conscientemente, esse compositor atuava tanto na música erudita quanto na popular. Da parte erudita, pode-se destacar um período em que sofreu grande influência do folclore brasileiro e um pouco de jazz, que perdurou de 1931 a 1940 e que teve em Rapsódia Brasileira (1931)41 sua obra mais famosa. O segundo período, iniciado em 1944, traz como característica um progressivo distanciamento do jazz, adoção de um folclorismo transfigurado, menor virtuosismo e excelência na instrumentação, com destaque para a série Brasilianas (1944-1962), composta de 14 obras no total. Gnatalli lançou vários discos, dentre os quais chama a atenção o Tributo a Garoto, gravado em 1982 com o violonista Raphael Rabelo.

 

38 Lied: canção feita para piano e cantor solo.

 

39 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2lDDpBoUaV4.Acesso em 1º de julho de 2023.

 

40 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cNDK8ioaGD4. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

41 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oVRWV2TfyCA. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

O segundo grande nome da etapa final do nacionalismo é Mozart Camargo Guarnieri (1907- 1993). Um dos principais discípulos intelectuais de Mário de Andrade, Guarnieri compôs diversas canções baseadas em textos do mestre, como, por exemplo, a ópera Pedro Malazarte (1952)42. Merecem destaque as composições Dança Brasileira (1928)43 e Uirapuru (1945)44. Sua obra obteve difusão internacional, sobretudo nos Estados Unidos a partir do apoio recebido de personalidades renomadas, tais como os compositores Aaron Copland e Charles Seeger e o regente Sergei Koussevitzky.

 

2.4 Música Contemporânea Brasileira

Após um período de acentuada valorização do nacionalismo brasileiro, representada pela música moderna discutida anteriormente, ganham espaço no Brasil diferentes correntes estéticas que aqui denominaremos pedagogicamente como música contemporânea. Rios Filho (2010, p. 27) define esse termo como “música de concerto composta a partir do século XX que lide com tópicos estéticos e ideológicos modernistas e/ou seus desdobramentos/consequências/ oposições de cunho pós-moderno”. Segundo Cavini (2010, p. 77), esse tipo de música apresenta como características comuns:

“[…] emprego de linhas melódicas curtas e fragmentadas, emprego de ritmos dinâmicos e sincopados, emprego de harmonias muito dissonantes e encadeamento de acordes inesperados e, finalmente, emprego de timbres totalmente novos, muitos dos quais foram obtidos por meio dos modernos instrumentos de percussão ou mesmo de instrumentos eletrônicos.”

Várias foram as correntes estéticas que compuseram o movimento da música contemporânea: impressionismo (ex. Claude Debussy), expressionismo (ex. Arnold Schoenberg), nacionalismo (ex. Béla Bartók), atonalidade (ex. Alban Berg), microtonalidade (ex. Charles Ives), influências do jazz (ex. George Gershwin), música aleatória (ex. Pierre Boulez), música concreta (ex. Pierre Schaeffer), música eletroacústica (ex. John Cage) entre outras. No Brasil, essas estéticas influenciaram as carreiras de grandes compositores, como por exemplo Villa-Lobos, os quais iniciaram a produção de músicas que extrapolavam as convenções musicais estabelecidas até aquele momento. A nova música foi recebida com estranheza pela grande maioria do público, não vendo nela as características tradicionais de uma música, o que levou a ser considerada por muitos como ruído.

 

42 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3jm0Btyn6KM (parte 1) e https://www.youtube.com/watch?v=Z_C2C2SXK1I (parte 2). Acesso em 1º de julho de 2023.

 

43 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1Rq-AegoAEs. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

44 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1QtV9j5Syfs. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

2.4.1 O movimento Música Viva

A introdução das novas correntes composicionais no Brasil teve como marco a chegada do compositor e educador Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005) ao Rio de Janeiro em 1937. Nascido em Freiburg (Alemanha) e discípulo do renomado regente alemão Hermann Scherchen (1891-1966), Koellreutter foi o responsável por apresentar aos compositores brasileiros da primeira metade do século XX a teoria dodecafônica de Arnold Schoenberg. Para isso, criou o Música Viva, movimento iniciado em 1939 em parceria com Egídio de Castro e Silva e que se contrapunha ao nacionalismo, ao buscar a renovação musical brasileira a partir da adoção de uma estética musical de caráter internacionalizante e que fundamentava-se no dodecafonismo de Schoenberg. Esse movimento se estruturava a partir de três linhas de atuação: formação, criação e divulgação (KATER, 2001). Além disso, esse movimento visava também à criação de espaços apropriados para a apresentação e difusão dessa nova música brasileira. Integravam a primeira geração desse movimento compositores como Brasílio Itiberê, Octávio Bevilácqua, Andrade Muricy, Alfredo Lage, Werner Singer e Luiz Heitor Corrêa de Azevêdo. Posteriormente, ingressaram no movimento nomes como Edino Krieger, Claudio Santoro e Guerra-Peixe.

As atividades do grupo tiveram início no Rio de Janeiro, resultando, entre outras coisas, na publicação de 12 exemplares da revista Música Viva. A partir de 1944, as ideias do grupo foram disseminadas a partir de uma série de programas na estação de rádio do Ministério da Educação. Desse período, uma série de manifestos foi publicada, dos quais a Declaração de princípios (mais conhecido como Manifesto de 1946)45 foi o mais impactante, documento que definia o fato musical como algo complexo a partir dos enfoques estético, social e econômico (KATER, 2001).

Durante o movimento também foram realizadas várias conferências, audições públicas, publicação de boletins, entre outras ações. As ideias de Koellreutter obtiveram aderência dos três principais centros de composição no Brasil naquele momento (Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia) e foram replicadas por seus alunos. Entretanto, o movimento Música Viva sofreu resistência de importantes compositores brasileiros. Em 1950, Camargo Guarnieri publicou a Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil, difundida no jornal O Estado de São Paulo e em outros órgãos da imprensa, um manifesto contrário às ideias e métodos de composição empregados por Koellreutter. Para Guarnieri, era fundamental que o jovem compositor obtivesse primeiramente uma sólida formação musical para posteriormente se aventurar nos princípios composicionais defendidos por Koellreutter. Segundo Mariz (1983), Guarnieri considerava o dodecafonismo um refúgio de compositores medíocres. Por estar baseado em regras matemáticas (isto é, não musicais), esse compositor acusava o dodecafonismo de permitir ao leigo produzir música da mesma maneira que alguém altamente dotado de instrução musical. A publicação desse documento e as divergências consequentes do 2º Congresso de Compositores e Críticos Musicais em Praga (Tchecoslováquia) levaram à dissolução do movimento no ano de 1950, intensificando nos anos seguintes os debates entre adeptos e contrários ao movimento dodecafônico.

Polêmicas à parte, é essencial compreender a influência dessa nova proposta composicional introduzida no Brasil por Koellreutter, fato que extrapolou os limites da música erudita, chegando a influenciar vários compositores da música popular, mais notadamente em Tom Jobim (de quem foi o primeiro professor de música), Tom Zé, Tim Rescala, Caetano Veloso e Paulo Moura. Essa iniciativa colocou o Brasil dentro das principais correntes composicionais do mundo, ampliando as concepções sobre o que é música e, principalmente, sobre como se faz música. Essas ideias foram importantes também para a estruturação de uma nova concepção de educação musical46 no país, sobretudo a partir da década de 1960, ainda mais alinhadas às ideias da pedagogia escolanovista de John Dewey, dando suporte à metodologia de ensino baseado em Oficinas de Música47.

 

45 Disponível em: https://www.latinoamerica-musica.net/historia/manifestos/2-po.html. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

46 Sobre o tema, sugere-se a leitura do livro Koellreutter educador: o humano como objetivo da Educação Musical (BRITO, 2017).

 

2.4.2 Principais compositores da música contemporânea no Brasil

Assim como no cenário mundial, a música contemporânea no Brasil se desenvolveu a partir de diferentes correntes estéticas. Aqui apresentaremos alguns dos compositores mais referenciados na história da música brasileira do século XX e que influenciaram diretamente no desenvolvimento desse tipo de música no Brasil.

Dos alunos de Koellreutter, Cláudio Santoro (1919-1989) provavelmente tenha sido o de maior representatividade no cenário nacional. Nascido em Manaus, se mudou aos 13 anos de idade para o Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos musicais no Conservatório de Música do Rio de Janeiro. Em 1940, começou a ter aulas com Koellreutter e a fazer parte do Música Viva, se tornando um dos membros mais ativos. Do período dodecafônico, merecem destaque as obras Sonata n. 1 para violino e piano (1940)48 e as 4 peças para piano solo (1943)49. Em 1947, Santoro conseguiu uma bolsa para estudar em Paris com Nádia Boulanger, uma oportunidade que o fez participar do Congresso de Compositores Progressistas, em Praga. Nesse evento, a música dodecafônica foi condenada como “burguesa decadente” (MARIZ, 1983, p. 261), o que acabou distanciando Santoro das ideias musicais de Schoenberg e o levou a interessar-se mais pela cultura brasileira anos mais tarde.

Natural do Rio de Janeiro, César Guerra-Peixe (1914-1993) iniciou suas atividades como compositor ainda dentro da estética do nacionalismo, seguindo principalmente a tendência clássica. Entretanto, após ter aulas com Koellreutter, despertou o seu interesse pelas novas estéticas composicionais, se tornando o grande nome da geração pós-nacionalista. Essa mudança o levou a destruir todas as suas composições anteriores e a começar a compor obras intencionalmente antinacionalistas, como a Sonatina para flauta eclarinete (1944)70. Posteriormente, Guerra-Peixe tentou aproximar as correntes dodecafônica e nacionalista, “substituindo a repetição da série de doze sons por fragmentos de células rítmicas ou melódicas” (MARIZ, 1983, p. 240). Exemplo disso foram as Miniaturas para piano51 (compostas entre 1947 e 1949). Os resultados interessantes o levaram a se interessar cada vez mais pela cultura popular brasileira e, consequentemente, a se distanciar da proposta difundida por Koellreutter, findando sua fase experimentalista no ano de 1949.

 

47 Sobre o tema, sugere-se a leitura do livro Oficinas de Música no Brasil: história e metodologia (FERNANDES, 2000).

 

48 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gSOzq9kIxGI. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

49 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iV_1WRZ_LAE. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

50 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=E1LVsJKG998. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

Dotado de forte personalidade, Edino Krieger (1928-) é até hoje um dos mais importantes compositores brasileiros vivos. Nascido em Brusque (Santa Catarina), ganhou uma bolsa de estudos do governo catarinense para estudar música no Conservatório Brasileiro de Música no Rio de Janeiro em 1943, momento em que teve a oportunidade de frequentar os cursos livres de composição oferecidos por Koellreutter e que o levou a integrar o movimento Música Viva. Recebeu em 1945 o Prêmio Música Viva pela obra Trio de Sopros (1945) e foi o ganhador da bolsa de estudos do Berkshire Music Center no ano de 1947, em que teve como membros da comissão julgadora compositores de renome internacional como Henry Cowell e Aaron Copland. Dentre suas obras, se destacam Música 1952 para cordas (1952)52, Choro para flauta e cordas (1952)53 e Divertimento para cordas (1959)54. Foi o organizador de vários festivais de música contemporânea, sendo um dos criadores da Bienal de Música Contemporânea Brasileira.

 

51 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wmGQBD1_jso. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

52 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tMf7PWe4DTE. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

53 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZCSsoY-LDmg. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

54 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C0YIuDjEM0Y. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

Suíço de nascimento, Ernst Widmer (1927-1990) veio ao Brasil a convite de Koellreutter em 1956 e nunca regressou. Formado pelo renomado Conservatório de Zurique, Widmer chegou ao Brasil com a missão de dar aulas dentro dos Seminários Internacionais de Música da Universidade da Bahia, evento organizado por Koellreutter e que posteriormente deu origem à criação da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tornou-se uma importante referência musical na Bahia, sendo responsável pela criação do Grupo de Compositores da Bahia, bem como pela sua atuação em cargos de gestão dentro da UFBA. Das suas composições, merecem destaque as obras Quasars (1970)55, Ondina (1985)56 e Sinfonia nº 3 opus 145 (1984)57.

 

2.4.3 Movimentos da música contemporânea decorrentes do Música Viva

Vários outros movimentos tiveram como base as ideias difundidas pelo Música Viva. O primeiro deles foi a criação do Setor de Música da Universidade da Bahia (atual Universidade Federal da Bahia – UFBA) – S.M.U.B, programa criado por Koellreutter em 1954. O objetivo desse programa era oferecer um “conjunto de cursos livres de todas as matérias musicais e correlatas”, com vistas a “proporcionar ao estudante de música um ensino musical completo, de alto nível, baseado num programa eficiente e atualizado, assim como oferecer aos músicos já formados oportunidade de estudos complementares ou de extensão” (KATER, 2001, p. 343). O S.M.U.B se tornou a sede dos Seminários Internacionais de Música (ocorrido entre 1954 e 1962), eventos de grande repercussão e que posteriormente deram origem à Escola de Música e Artes Cênicas da UFBA. O desenvolvimento do S.M.U.B atrelado aos Seminários influenciou diretamente o surgimento do Grupo de Compositores da Bahia, criado em 1966 e composto por Ernst Widmer, Jamary Oliveira (1944-), Fernando Cerqueira (1941-), Lindemberg Cardoso (1939-1989), Walter Smetak (1913-1984) entre outros compositores. Em sua Declaração de Princípios, publicada ainda em 1966, o grupo se declarava “contra todo e qualquer princípio declarado” (OLIVEIRA, 2010, p. 40). O Grupo de Compositores da Bahia foi responsável pela criação de uma tradição de composição musical na Bahia, que permanece até os dias atuais.

 

55 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PqjF0b8UJ04. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

56 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8Kv1MmJ84qE. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

57 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k5Urnb2jqJY. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

O segundo movimento de grande relevância foi o Música Nova, tendo como idealizadores Gilberto Mendes (1922-2016) e Willy Corrêa de Oliveira (1938-). Esse movimento tem sua origem no “Festival Música Nova”, uma série de festivais idealizada e organizada por Gilberto Mendes por meio da Sociedade Ars Viva, evento realizado até os dias atuais. Em 1963, foi publicado o Manifesto Música Nova58, documento que teve como signatários vários compositores brasileiros, tais como Rogério Duprat, Régis Duprat, Júlio Medaglia entre outros. Segundo Kater (2001, p. 350), nesse documento se reafirmavam alguns dos princípios do movimento Música Viva, tais como:

“Ênfase na criação moderna, compromisso com a contemporaneidade, música como arte coletiva e refutação do “mito da personalidade”, importância da educação musical, da contribuição de outras áreas do saber, dos meios de informação, da comunicação, internacionalização da cultura e uma nova postura e tomada de posição frente à realidade.”

Além disso, os autores do Manifesto buscaram reafirmar o “compromisso total com o mundo contemporâneo”, além de considerar que a “alienação está na contradição entre o estágio do homem total e seu próprio conhecimento do mundo”. Por outro lado, o documento enfatizava que a “música não pode abandonar suas próprias conquistas para se colocar ao nível dessa alienação, que deve ser resolvida, mas é um problema psico-sócio-político-cultural”. Finalmente, o Manifesto destaca que “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”.

O terceiro e último movimento que guarda lastro com o Música Viva foi a criação da Bienal de Música Brasileira Contemporânea. O final dos anos 1960 e início dos 1970 foi bastante intenso para a música contemporânea no Brasil. Especificamente no Rio de Janeiro, o compositor Edino Krieger organizou duas edições do Festival de Música da Guanabara (1969 e 1970), que dariam origem à Bienal de Música Brasileira Contemporânea. Além disso, em 1971, Krieger organizou o I Encontro de Compositores, evento que objetivava debater acerca da política e das estratégias de divulgação da produção musical brasileira, bem como serviu de espaço para a criação da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea (SBMC).

 

58 Disponível em: https://www.latinoamerica-musica.net/historia/manifestos/3-po.html. Acesso em 1º de julho de 2023.

 

Criada em 1975, com o apoio da Sala Cecília Meirelles (então dirigida por Myrian Dauelsberg), a Bienal tem como foco promover um espaço para acolher todas as tendências e gerações musicais, tornando-se um ponto de encontro entre compositores reconhecidos e jovens talentos. A partir de 1981, a Bienal de Música Brasileira Contemporânea passou a ser realizada pela Fundação Nacional das Artes (FUNARTE), instituição vinculada ao Governo Federal. Nesses 44 anos de existência, já foram realizadas 23 edições da Bienal, havendo em cada edição uma homenagem a compositores brasileiros de grande relevância nacional e/ou internacional. Assim, a Bienal se tornou o principal evento de música contemporânea no Brasil.

 

Resumo

Neste artigo, você conheceu, de maneira geral, os fatos que contribuíram para a transformação musical ocorrida entre a constituição do Estado Brasileiro enquanto Império até a sua consolidação como uma República Federativa no século XX. Para tanto, optou-se por delimitar essa abordagem pela música erudita feita no século passado. Assim, essa Unidade esteve estruturada em duas partes: 1) música no Brasil Império, destacando as transformações musicais ocorridas entre os diferentes reinados, dando ênfase especial ao Romantismo brasileiro; 2) transição para o Brasil República, focando na música popular (maxixe e choro, especialmente), no movimento Nacionalista e na Música Contemporânea. Dessa forma, esperamos que o conteúdo aqui aprendido sirva de suporte para a realização das atividades previstas.

 

Referências

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BARMAN, Roderick. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora UNESP, 2012.

BERNARDO, Marco Antônio. Waldir Azevedo: um cavaquinho na história. São Paulo: Irmão Vitale, 2004.

BRITO, Teca Alencar de. Koellreutter educador: o humano como objetivo da Educação Musical. 2. ed. São Paulo: Peirópolis, 2017.

CABRAL, Sérgio. Uma história secular. In: CHEDIAK, Almir. Choro. São Paulo: Irmãos Vitale, 2009. p. 10-13.

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Fonte: História da Música Brasileira

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