História da Música Popular Brasileira: O Samba

História da Música Popular Brasileira: O Samba

História da Música Popular Brasileira: O Samba – Neste artigo, João Fortunato Soares de Quadros Júnior elabora um longo capítulo sobre a história da Música Popular Brasileira nos séculos XX e XXI. Seus objetivos buscam, inicialmente, Identificar as características principais que estruturaram a música popular brasileira nos séculos XX e XXI e, em seguida, compreender os contextos histórico e sociocultural que suportaram essa produção musical e, ao longo dos diversos exemplos, reconhecer auditivamente obras de diferentes autores do Brasil contemporâneo.

Todos os links do e-book original foram acessados novamente e os que não estão mais ativos, conforme a edição original, foram excluídos. E-book por João Fortunato Soares de Quadros Júnior. Vamos contar esse percurso em três partes, sendo o Brasil Colonial, a primeira; Do Brasil Império à Música Contemporânea, segunda parte e, por fim, Música popular brasileira nos séculos XX e XXI, sendo esta o primeiro item da terceira parte. Para conferir a primeira parte, A Música Brasileira no Período Colonial.

A terceira parte segue a sequência: O Samba, O Rádio, A Bossa Nova, Movimentos musicais pós-1960, o Rock brasileiro e, por fim, a música popular brasileira na era da massificação.

 

Apresentação: História da Música Popular Brasileira: O Samba

O início do século XX foi marcado por diferentes acontecimentos que marcaram o desenvolvimento da música popular brasileira, tanto no que diz respeito à quantidade de gêneros musicais como também as características destes. Nesta Unidade veremos (de maneira bastante sintetizada) alguns dos principais fatores de influência e sobretudo um pouco dos movimentos e gêneros musicais atuais. 

Primeiramente, é importante salientar que o século XX marcou a chegada dos registros fonográficos no Brasil, fato que possibilitou a difusão e a comercialização física da música. A primeira gravadora do país foi a Casa Edison, fundada em 1902 por Frederico Figner no Rio de Janeiro e que representava vários selos da empresa alemã Odeon Records. As gravações iniciais eram feitas com o uso de cilindros fonográficos (utilizados nos fonógrafos criados por Thomas Edison), sendo anos mais tarde substituídos por discos (usados em gramofones). 

A primeira música gravada pela Casa Edison foi o lundu Isto é Bom1, composição de Xisto Bahia interpretada pelo cantor Manuel Pedro dos Santos (mais conhecido como Baiano). O sistema de gravações impactou o mundo da música, influenciando significativamente em diferentes aspectos da produção musical: qualidade e potência vocal do(s) cantor(es), tipo de instrumentação utilizada, duração, tema e estruturação das canções etc. Dessa maneira, passaremos em seguida a tratar de um dos gêneros que foram mais influenciados por essa transformação e que acabou estabelecendo uma relação simbiótica com o mercado fonográfico: o samba. 

Baiano – Isto é Bom (1902)

 

  1. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=orkpDm0fY0E. Acessado em 17 de abr. 2024.

 

O Samba 

Gênero musical de origem afro-brasileira, o samba tem sua origem na Bahia, mas se popularizou em maior medida no Rio de Janeiro, sendo elevado à posição de música nacional a partir dos anos 1930, se tornando um dos principais elementos representativos da cultura brasileira no exterior (NAPOLITANO, 2002). A palavra “samba” surge originalmente para identificar divertimentos populares da Bahia no final do século XIX: 

[…] na Bahia chama-se ‘samba’ o que no Rio de Janeiro se denominava ‘chiba’, no Estado de Minas , ‘cateretê’, e no Estados do Sul, ‘fandango’. [ Trata-se de uma] dança de roça, ao ar livre, em que por instrumentos entram o violão, a viola de arame, o cavaquinho, sob a toada dos quais se canta e se sapateia ao ritmar das palmas, dos pratos e dos pandeiros (SANDRONI, 2003, p. 87).

Sandroni (2003) traz a ideia de que o samba tenha se originado a partir de duas vertentes. Primeiramente, pela vertente folclórica, substitui o batuque e dá origem ao samba-de-umbigada baiano, reforçado pela hipótese de que o nome desse gênero tenha se originado de semba, um gênero musical africano que significa umbigada ou batuque (SHAHRIARI, 2016). Tal hipótese possui, todavia, poucas evidências históricas, sendo construída e repassada basicamente a partir de relatos. A segunda vertente, popular, estabelece que o samba tenha surgido dos gêneros populares brasileiros de grande popularidade em vários locais do Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro, tais como o maxixe e o tango. Apesar dessa discussão, Sandroni (2003) aponta como elemento fundamental do samba a presença da síncope característica, algo já existente desde o lundu do século XVIII (ver Unidade 1). 

A transferência da mão de obra escrava da Bahia para o Vale do Parnaíba, atrelada ao declínio da cafeicultura, à abolição da escravatura e ao desenvolvimento comercial dos Estados do Sudeste brasileiro levaram à migração intensificada dos negros para a cidade do Rio de Janeiro, habitando principalmente os bairros da periferia. De acordo com Vianna (2004), as casas das tias “baianas”, como Amélia, Ciata e Prisciliana, foram os redutos onde se desenvolviam as festas de terreiro, regadas a batuques e umbigadas, dando origem à primeira formatação do samba. 

Diferentes autores apontam para a existência de dois estilos de samba diferentes. O primeiro, estilo antigo, é caracterizado por Sandroni (2003) como um samba mais amaxixado, feito em rodas e utilizando instrumentos como piano, cavaquinho, violão, flauta, clarineta, cordas e metais, isto é, instrumentos de origem europeia, sendo em grande parte “associado a Tia Ciata e aos compositores que frequentavam a sua casa, como Donga, João da Baiana, Sinhô, Caninha e Pixinguinha” (p. 137). Esse autor destaca que o estilo antigo adotava como padrão rítmico uma estrutura conhecida como paradigma do tresillo, que corresponde à imparidade rítmica num ciclo de 8 pulsações (3+3+2 e suas variantes), baseada fundamentalmente na síncope característica: 

Figura 1: Paradigma do tresillo 

Fonte: Sandroni (2003)

Por outro lado, Máximo e Didier afirmam que as músicas do estilo novo (também conhecido como estilo do Estácio) surgiram a partir de refrãos improvisados dentro das rodas de samba, em que eram utilizados violão ou cavaquinho e uma base percussiva compostas de instrumentos de origem africana ou inventados no Brasil, tais como tamborim, surdo, cuíca e pandeiro. Esse estilo aparece associado aos compositores que viviam ou frequentavam o bairro Estácio de Sá, no Rio de Janeiro: Ismael Silva (1905-1978), Nilton Bastos (1899-1931), Alcebíades Barcelos (mais conhecido como Bide) (1902-1975), e Sílvio Fernandes (também conhecido como Brancura) (1908-1935). A estrutura rítmica predominante do novo estilo fundamentava-se no que Sandroni (2003) chamou de paradigma do Estácio, ritmo baseado em variações da síncope característica e estruturado geralmente em 16 pulsações (2+2+3+2+2+2+3 e suas variantes). 

Figura 2: Paradigma do Estácio 

Fonte: Sandroni (2003)

Os sambas do início do século XX geralmente eram composições coletivas realizadas em rodas de partido-alto2 e sem registro de autoria. Em 1916, Ernesto dos Santos (mais conhecido como Donga), registrou a canção “Pelo Telefone”, se tornando um marco para o surgimento dos sambas de autoria. Além disso, iniciou-se o surgimento de parcerias entre os compositores: um compunha o refrão e outro compunha as estrofes. Outro fator que influenciou diretamente na formatação do samba foi o surgimento do registro fonográfico, em especial a criação da Casa Edison a partir de 1902, principal gravadora do início do século (NAPOLITANO, 2002). De acordo com Sandroni (2003), o samba gravado era totalmente diferente daquele praticado nas rodas de samba, apresentando uma estrutura clara e bem definida no formato refrão e segundas partes (estrofes com letras variadas e que não permitiam improvisos), versos em formato de quadras e inclusão de introduções instrumentais. 

Ao longo dos anos, o samba se transforma e começam a surgir diversas variações, tais como: 

Samba-canção3: criado em 1928, o samba-canção apresenta melodia mais elaborada, de caráter mais sentimental e andamento lento, “uma criação de compositores semieruditos ligados ao teatro de revista do Rio de Janeiro” (TINHORÃO, 1991, p. 151). 

 

Samba-choro4: de maior complexidade harmônica e melódica, pode ser definida como a versão cantada derivada do choro instrumental e que ganhou difusão a partir de 1934; 

 

Samba-de-breque: essa variação tem como origem a inclusão do “breque”5 no samba, definido por Tinhorão (1991, p. 162) como “uma parada ou interrupção do desdobramento melódico, que torna possível a interpolação de uma frase ou outra”. Apareceu pela primeira vez na música Jogo proibido6, de Moreira da Silva, em 1936; 

 

 

Samba-enredo7: o samba-enredo surge a partir da década de 1940 como o tipo de música característico das escolas de samba, estruturado a partir de versos (ou enredo) que tinham como objetivo dramatizar uma história escolhida como tema do desfile carnavalesco; 

 

Samba-exaltação: variação caracterizada pelo uso de letras de cunho patriótico e que ressaltam as belezas do Brasil, com acompanhamento instrumental realizado por orquestra, tornando-a uma das variações mais sofisticadas do samba. O mais famoso samba-exaltação é a música Aquarela do Brasil (1939)8, composição de Ary Barroso e Aloysio Oliveira. 

 

Até a década de 1930, o samba e seus protagonistas foram enormemente perseguidos, tido como um gênero musical associado a comportamentos socialmente indesejáveis, como a vadiagem e a malandragem. Assim como na canção Lenço no pescoço (1933)9, de Wilson Batista, o sambista era reconhecido pelo “chapéu de lado, tamanco arrastando, lenço no pescoço e navalha no bolso”. Além disso, a ele eram associadas atitudes corporais específicas, tais como “a famosa ginga, a maneira de andar bamboleando o corpo e arrastando os pés” (SANDRONI, 2003, p. 169). Por tudo isso, o samba produzido nos morros cariocas com instrumentos percussivos de origem afro-brasileira, por músicos sem instrução formal, em sua maioria descendentes de escravos, e com menor poder aquisitivo era desprezado pelas populações das classes mais abastadas, sendo caracterizado como uma música de menor valor cultural. 

 

Entretanto, o fortalecimento do carnaval de rua com o advento das escolas de samba (provenientes dos antigos blocos carnavalescos) e seus sambas-enredo, a criação de espaços socialmente mais abertos para veiculação do samba (como os botequins), a adoção do estilo do Estácio como o “samba de raiz” e sua consequente popularização entre todas as camadas sociais do Rio de Janeiro fizeram com que esse gênero se fortalecesse a ponto de se transformar em símbolo de nacionalidade, rebaixando todos os demais gêneros musicais à categoria de regional (VIANNA, 2004). Com isso, houve um aumento considerável no número de gravações fonográficas e consequente mercantilização do samba, tornando-se o gênero musical mais executado no período de instalação do rádio no Brasil. Contudo, é importante destacar que o samba continua seu processo evolutivo, apresentando novas variações (tal como o sambalanço, de Jorge Ben Jor) e incorporando inovações do mundo contemporâneo, mas evitando fugir da essência desenvolvida na sua gênese. Os maiores nomes do samba nos últimos anos foram Martinho da Vila10, Beth Carvalho11 e Zeca Pagodinho12, responsáveis por abrir as portas aos artistas das novas gerações. A importância do samba foi muito reconhecida, chegando a ser considerado como Patrimônio Imaterial do Brasil, título outorgado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tanto às matrizes do samba do Rio de Janeiro (em 2005) quanto ao samba de roda do Recôncavo Baiano (em 2004), que foi também reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade no Brasil pela Unesco em 2005. 


Referências

2 “Espécie de samba cantado em forma de desafio por dois ou mais contendores e que se compõe de uma parte coral […] e uma parte solada com versos improvisados ou do repertório tradicional, os quais podem ou não se referir ao assunto do refrão” (Lopes apud SANDRONI, 2003, p. 104). 

3 Linda Flor (1928), de Henrique Vogeler e Luis Peixoto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pQ9yIqPhtgA. Acessado em 02 de nov. 2019. 

4 Conversa de Botequim (1935), de Noel Rosa, Oswaldo Gogliano e Vadico. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=Wlr6c0TLjLw. Acessado em 02 de nov. 2019. 

5 Do inglês break, então popularizado como referência ao freio instantâneo dos novos automóveis. 

6 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=orkpDm0fY0E. Acessado em 02 de nov. 2019. 

7 Peguei um Ita no Norte (1993), de Demá Chagas, Arizão, Bala, Guaracy e Celso Trindade. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=- bA6kQlTgz8. Acessado em 02 de nov. 2019.

8 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z9dV3XQk76c. Acessado em 02 de nov. 2019. 

9 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vmD6D0zAGnc. Acessado em 02 de nov. 2019. 

10 Assista a música Madalena do Jucú (1997), disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_OHjRAHd4eY. Acessado em 02 de nov. 2019. 

11 Assista a música Camarão que dorme a onda leva (1983). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vmD6D0zAGnc. Acessado em 02 de nov. 2019. 

12 Assista a música Faixa Amarela (1999). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7YaHP3u4UK4. Acessado em 02 de nov. 2019.

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