Tamanho não é documento • A salvação é patética
Tamanho não é documento • A salvação é patética é artigo de Monique Bonomini em sua coluna quinzenal na Expedição CoMMúsica.
Antes que a aula termine, uma professora chama a aluna de catorze anos, Luísa Cristina, para uma conversa. O cenário é muito comum em escolas em regiões mais pobres: jovens adolescentes hiper sexualizadas, algumas já mães, algumas já sem qualquer interesse no conteúdo, todas, produto de uma estrutura social falida, eficaz em matar esperanças.
O professor pode escolher não ver a realidade que o cerca, a professora poderia ter sido fiel à promessa feita a si mesma de não se envolver nunca mais, após tantos conselhos lançados ao vento, mas se arrisca outra vez e pergunta para Luísa Cristina: “O que está acontecendo?”
Movida pela crença pessoal de que é possível oferecer alguma salvação, a professora se lança no desconhecido e, para sua surpresa, recebe de volta uma resposta soprada num hálito azedo de álcool carregada de revelações, dentre as quais o relato do primeiro contato da aluna com a bebida, que lhe apresentou uma sensação nova: coragem.
E segue em confidências, revelando que foi só dias depois, movida pela vontade de ter coragem outra vez, que voltou a beber, chegando ao ponto em que está, de frente com a professora que lhe enxergou os olhos baços e ofereceu os ouvidos.
Numa narrativa que faz um jogo de esconde e revela, alternando passagens carregadas de realidade com outras repletas de reflexão é que se desenvolve o conto Coragem, que está no livro O sêmen do rinoceronte branco, de Cinthia Kriemler, lançado pela Editora Patuá em 2020.
Apesar de explorar um diálogo, não há interlocução entre professora e aluna, enquanto aquela ouve o relato enxergando o quadro mais amplo da tragédia: “E é isso que me apavora mais do que o resto. Saber que essa criatura frágil ainda sonha.”, a outra vai descobrir sozinha que já começou sua derrocada: “Luísa Cristina não tem opções. Como tantas outras. Mas acha que tem.”
A realidade não é bonita, e a professora sabe disso, mas mesmo assim ela acredita que vai ter outra oportunidade para explicar isso para a aluna “Que entre todos os vícios ela escolheu o pior: acreditar. Ela não sabe. Mas eu sei. E quero estar lá quando ela descobrir que não há salvação. Que a salvação é patética.”
Talvez o fim da história surpreenda, talvez não, eu o persegui me sentindo meio como a professora, apegada a uma crença pessoal, que é a de ter esperança em que, pelo menos na literatura, é possível que os finais escapem das estatísticas, para saber você precisa ler.