A Força das Mãos Dadas: A Importância do Coletivo
A Força das Mãos Dadas: A Importância do Coletivo é artigo de Michele Machado Fernandes em sua coluna semanal na Expedição CoMMúsica e aborda diversos coletivos em ascensão e também sinalizando um novo modo de coexistir em um modelo capitalista de consumo de cultura, mas, paradoxalmente, com liberdade e autonomia criativa.
Em certos dias, sintonizamos uma verdadeira antena de captação da mente alheia. Minha intenção era falar sobre a importância dos coletivos na consolidação dos nomes de novos escritores no cenário da literatura brasileira. E, desde que tive tal ideia, não param de surtir postagens e comentários a respeito dessa questão.
Pela manhã ainda, uma colega do coletivo Escreviventes, do qual faço parte, postou no Instagram seu artigo publicado no jornal O Povo +. A escritora Ana Márcia Diógenes, após frequentar a XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará, comemorava o fato de encontrar a forte presença de mulheres escritoras no evento. Conforme ela diz:
“Esta movimentação, a meu ver, é resultado do cooperativismo literário-afetivo que as mulheres vêm construindo há décadas, mas que tem ganhado corpo e visibilidade nos últimos anos.”
Ana Márcia Diógenes segue falando sobre iniciativas que fazem a diferença, como o Mulherio das Letras, coletivo feminista literário idealizado pela escritora Maria Valéria Rezende e composto por mais de sete mil mulheres e o Coletivo Escreviventes, este último confluindo com a minha pauta para hoje.
Ingressei nesse coletivo em janeiro de 2021, a convite de Carla Guerson, sua idealizadora e hoje uma grande amiga. Éramos um grupo de apenas dez mulheres com o objetivo de escrevermos textos semanais e trocarmos ideias sobre eles. Para mim, um desafio e tanto, já que eu não tinha o costume de dividir meus escritos até então. Uma cortina se rasga quando descobrimos o quanto nossas escritas são atravessadas pelas mesmas inquietações. Desde nossos primeiros ciclos de escrita, fomos muito mais longe do que indicavam nossos propósitos iniciais. Publicamos as coletâneas “De Corpo Inteiras” e “Casa Nua, Maternidade Devassada”, fizemos parceria com as revistas literárias Cassandra, editada por Milena Martins Moura, e Contos de Samsara, editada por mim e, como já expus por aqui, foi o próprio coletivo que, de algum jeito, me deu a força para acreditar na minha própria capacidade de fazer esse trabalho. Também conseguimos abrir mais espaços, hoje o coletivo está representado na Flip (Festa Literária de Parati), com cerca de 19 mulheres tendo a possibilidade de expor seu trabalho sem depender de editoras – e mais umas 400 torcendo por elas.
Mas as conquistas não são apenas em relação à literatura. Na verdade, esse é apenas nosso elo motivador. No coletivo, nos amparamos. Temos espaço de escuta. A escrita é o fio que alinhava as inquietações trazidas — em comum ou diversas, embora tenhamos descoberto na diversidade também haver semelhanças. Se o problema de uma for o cansaço da vida frenética espremida entre trabalho formal e doméstico, temos. Se for a indiferença ao nosso trabalho, artístico e visceral, temos. Se for o desespero de não nos enquadramos nas caixas que o patriarcado tenta nos prender, temos. Se for apenas o desejo de encontrar um ponto de fuga, temos. No coletivo, tenho a clara sensação de ser mais forte e sei disso porque sou como elas, aquelas mulheres invencíveis que, acredite, têm fraquezas parecidas com as minhas.
Nessa conversa, entrou também a escritora Pollyanna Mattos Vecchio, que recentemente defendeu sua tese de doutorado, tendo como tema o cooperativismo entre escritores. A autora explica:
“Na verdade, a ideia é de um “coletivismo de plataforma” como uma reação ao capitalismo de plataforma, que são as relações de trabalho intermediadas e precarizadas por empresas multinacionais de tecnologia como Uber, Ifood e, no nosso caso, a Amazon, por exemplo.”
Aqui, Pollyanna toca num assunto que muito me encanta, pensar na união de escritores como um meio de balançar a estrutura do status quo. O que frequentemente acontece é termos poucas editoras de grande porte controlando o mercado editorial, quase um monopólio. As editoras menores e os autores de menos destaque, muitos deles independentes, têm dificuldade de quebrar esse ciclo de invisibilidade. Mas não quando estamos unidos.
As mudanças não estão vindo pelo despertar da consciência dessas grandes editoras, mas da pressão por parte da união das autoras que hoje, em maioria, se encontram altamente organizadas. Assim como as iniciativas citadas, faço parte ou já participei de outros espaços como o coletivo “Uma Casa Toda Nossa” que organiza coletâneas de contos produzidas totalmente por mulheres, abordando temáticas feministas. Também faço parte do grupo “Rosas Literárias”, relacionado ao programa homônimo disponibilizado pelo canal do Youtube Rosas e Pagus e apresentado pelas escritoras Daniela Bonafé e Júnia Paixão.
Costumo destacar o fato de sermos mulheres e carregarmos nas costas décadas para não dizer séculos de silenciamento das nossas vozes e apagamento do nosso legado. Mas a realidade da literatura brasileira é difícil para todos os gêneros, basta você não ser famoso ou não ser figura marcada nas seleções feitas a portas fechadas pelas editoras de maior renome.
Continuando o meu rol de coincidências, encontrei mais um post no Instagram. Meu amigo Filipo Brazilliano, escritor e colagista, publicou hoje um texto que indaga sobre o quanto conhecemos o poder do coletivo. Ele discute a inutilidade da competição entre escritores e o quanto conseguimos chegar mais longe quando decidimos seguir juntos:
“Não temos de disputar nem competir com ninguém. Não existe concorrência entre os independentes, a gente precisa se unir como elos de uma mesma corrente e fazer acontecer oportunidades para os nossos.”
Sua publicação abre citando Lênin, já apontando para o fato de que não conseguiremos encontrar um espaço propício à arte dentro do cenário capitalista, que prima pela competição em detrimento da cooperação e pelo dinheiro em detrimento do valor cultural. Evidentemente, se os brasileiros pensarem mais, descobrirão a força que têm e não vão se satisfazer mais em ocupar a posição de curral da América, juntamente a outros países latinos. Somos grandes e capazes, mas sucateados, oprimidos e desacreditados.
Por mais trabalho como o da Expedição CoMMúsica que trabalha em prol da cultura, mais especificamente à música, abrangendo parcerias com artistas de outros países da América Latina. A Tuca, idealizadora e gestora do site, é um exemplo de trabalho voltado ao coletivo para além da literatura, com este espaço precioso para valorizar o trabalho de músicos ainda procurando por mais visibilidade.
Da mesma forma, no início deste ano, lancei a primeira edição da Revista Contos de Samsara, que está chegando ao sexto número. Nela, publico contos de autores e autoras em busca de espaço para expressar sua visão de mundo, sua voz. A iniciativa não atraiu apenas contistas, mas também grandes apoiadores, como Monique Bonomini, nossa revisora, amiga e agora também colega aqui na Expedição CoMMúsica, e o próprio Felipo, nosso capista. Do outro lado da linha, uma população que, dizem, não têm o hábito da leitura. Corrijo: não têm acesso a livros e educação transformadora. Mas iniciativas como essas ajudam também a mudar essa realidade. Acredito na força da união como forma de abalar os pilares deste nosso injusto modo de produção. Iremos de mãos dadas, como quando éramos crianças e não tinham nos ensinado a segregação da rivalidade.
Nesse texto, citei 10 pessoas que, sintonizadas ao meu jeito de pensar, acreditam na força dessas mãos dadas. Sendo assim, esse texto foi construído alinhavando as ideias de cada uma delas; assim se faz o coletivo.
Para entrar em contato com Michele Machado Fernandes e conversar mais sobre a participação em coletivos, você pode deixar seu comentário no post ou enviar seu comentário ou dúvida pelo formulário: